de Luís Monteiro da Cunha
01
Se o ato de escrever
É uma experimentação
Escrevo
Saudades, Luís Monteiro da Cunha
Porque os amigos
Moram em meu coração.
02
As palavras adormeceram em mim
serena é sua respiração
em seu sono profundo
Olho a quietude do rio sob
a canícula dormente do estio
e um filme verde de incêndio e dor
no outro lado do mundo
impede o meu regresso ao poema
Fica-me este labor de consoantes e vogais
uma arquitectura de fonemas
nascida da experimentação mais
um exercício de raiva
antiquíssimo método de chorar no silêncio.
03
Não quero me exibir em dialética,
Tampouco me entregar à fantasia,
Mas... Será o poema cria poética,
Ou num mundo de rimas preexistia?
Será o poeta um mero montador,
Lírico pescador da poesia
Particionada pelo Criador
Na chama inspiradora que irradia?
Se assim for - Que metáfora mais bela!
O poeta é um catador de versos,
Que encaixa em rimas na estrofe certa.
Mas para ser poeta, não esqueça:
Não basta garimpar nestes recessos;
Há que saber montar quebra-cabeça.
04
no espaço aberto da imaginação
existe uma nascente profunda
escrita no rio do pensamento
que transborda ao coração
células impossíveis de conter
igual sede que temos de beber
o amor de cada palavra criada
escorrendo entre dedos
horizontes de afagos.
interdição às sensações
emoções realidades e sonhos?
Não.!
05
espere
experimente
exprima-se
especule
exibindo
espiritual
espectáculo
exuberante
esperando
extasiar-se
06
Não desisto de ti
Que és nome silencioso
Que madruga e veste
As minhas mãos.
Algo mais intenso e perturbador
Mergulham sorrisos a alma só
Impulso corre as veias solidárias
Este auge do ser implacável
Compra-me o espírito sem dó.
Os olhos observam a paisagem
Despidas as mãos, sem palavras,
Vivo desse impacto
Sem sonhos refugiam-se as estradas.
Não desisto de ti
Sem ser nada ou ninguém
Construí um rio de palavras
Para adormecer nas mãos de alguém.
Impulsionas-me, sugestionas-me,
Questionam-me as frases devaneias
Que são o meu fôlego silenciado
Desejo de aventura, enamorado.
Criei-me e dei-me ao teu esplendor
Mais altivo que o dos anjos,
Senti-me uma criança a acordar
Braços abertos abraçam o mar.
Não desisto de ti
Que és nome silencioso
Que madruga e veste
As minhas mãos.
Chamem-me poeta...
Chamem-me o que quiserem...
Sem ti, eu sofria...
Sem ti padecia...
Morria?...
07
Levou-me para um quarto de hotel barato
Fechou a porta da minha timidez e abriu a da nudez
com a mão, com a boca com o que eu escrevia.
Havia uma janela virada para o corpo donde o calor saía
para uma parede branca nos olhos, iluminando-os
que pagou a conta do quarto, a comida dos filhos, a virgindade
mas os vagidos de prazer do acto no quarto de papel oferecia a quem os lia.
08
experimentar
o acto de escrever
exprime a experiência
humanamente + profunda
adição múltipla
de todas as operações
o acto da escrita revela-se
plenamente X sem conta
tudo aqui conta
se cada verso vive
a mais completa luta
para chegar à revelação
09
... o acto de escrever, em si,
é comunicação, entendimento
entre seres que julgam,
introvertem, partilham,
comungam
dessa habilidade com um fim,
experimentando, como diversão,
enovelando termos novos, confusos,
busca incessante duma definição,
clarão mais pertinente,
rasgo raro, luminoso,
estrépito
som de vulto, fragoroso,
novel forma de manifestação,
descoberta que se tem, temporária sensação,
sinais trabalhados na proveta do pensamento,
conversão em traços, espaços, vírgulas e pontos,
imagens vividas em profusão,
acontecimentos que nos entram pelas janelas que temos,
olhos abertos em permanência,
aglutinação depois da afluência,
esmagamento em almofariz
do que se vê, do que se ouve, do que se diz,
fértil imaginação,
sem fabricação extemporânea,
casuística, oportuna,
descrição que aflui, nos esmaga porque rói,
se traz guardada, funda,
algo estranha, profunda
necessidade que chaga, fere,
amolga, dói,
incomodidade permanente,
que se transforma, num repente,
dádiva de tanta gente,
aventura que se vai contando
na escrita que se alinha,
nos sinais com que se traça
tudo aquilo que passa,
experimentando,
num acto que se torna hábito,
grafismo que se torna escrita,
imitando, sentindo
manifestação invicta
estando sentados, fugindo,
quem cria, depois de criado,
evolução que nos foi dada,
por quem desdenha,
não sendo amado,
mortal perdido nas trevas
numa busca insana, frutuosa,
sorte incerta, desditosa,
contributo inestimável,
no campo de tantas artes,
recantos humildes, tantas partes,
na ponta dum pincel,
nas linhas de qualquer papel,
no bico aguçado dum cinzel,
na carne que se transforma
em alimento, como norma,
no vegetal que se multiplica,
na ave que se mata, come,
no peixe que se escama, se deglute,
se ingere,
nas vestes que nos arroupam,
nos enganos que nos propomos,
fazendo aquilo que somos,
nos mortos que se não poupam,
nas guerras ferozes, bárbaras,
guerras com arte, matanças,
quantas novelas, mudanças,
acumulações, simples aparas,
existências que deixam marcas,
riscos, arabescos
diferentes, escurecidos, frescos,
graciosos, ridentes, cinzentos,
passagens, pegadas... momentos,
acto, como experimentação,
alocução inebriante,
incitamento de quem lê,
escritos mais pensados, escusos,
não poéticos,
disfarçados pelo mal que encerram,
hipotéticos,
quando gritam, quando berram,
provocando agitação,
confrontos medonhos, perversão,
enganos na multidão,
não são do coração,
espécie de maldição
adulterando o que há de belo
gerando ódios, confusão,
antípodas de qualquer anelo!!!...
10
Escrevo p'ra não perder o traquejo
p'ra não deixar acumular esta maldita
ansiedade que tenta me domar
Brinco com as palavras
quando desconcertantes imagens
invadem o pensamento
Se ponteio ou pontuo
nenhuma diferença fará
quero apenas garatujar.
11
numa tentativa de contornar as palavras da voz
escurece-me a tinta
que goteja da pena
é negra
oculta-me o entendimento
castigo a minha ambição
aprimoro o traço
ardo de ânsia
mas a gota continua a pingar e
é negra
derrubo-me infrene sobre o papel
e esmago as palavras
sou ruína sem entender
o que queria
ter dito
12
Correm leves as letras breves
sem cuidar do meu intento
Uma daqui,
outra do vento.
Outra do sangue que nas veias ferve.
Não sabem mais que estar caladas
Quietas, firmes,
Arrumadas,
Em mortalhas de silêncio.
Sabem de si só o momento
criado na ponta do querer.
Um acto-vontade congelado.
Eternamente condensado
que embora lido, ressuscitado
é o somente o instante pensado
Distante e criado ao escrever
13
que corram céleres, as letras
palavras, sílabas encarnadas
não pensadas, escritas
doídas ou alegres, se ditas
no frio ou no quente
[fora da mente]
ainda que ensaiada,
a vida
14
Foge-me o sossego
quando, às vezes, vejo
palavras à esmo
contando segredos
É que sou arremedo
de tudo que escrevo
não conto segredo
mas sempre me vejo
15
Lusitana palavra
Une amor, amizade
Imagem trabalhada.
Zelo, dedicação.
Carimbo cunho
Únicamente mão
Não deixa o desânimo
Habitar o coração...
Amante da palavra!!!
Autores:
01 – Carmen Neves
02 – Bernardete Costa
03 – Denilson Neves
04 – Ísis
05 – Francisco Coimbra
06 – Paulo Themudo
07 – Ana Maria Costa
08 – Francisco Coimbra
09 – Manuel Xarepe
10 – Andrea Motta
11 – Vera Carvalho
12 – Carlos Luanda
13 – Sónia Regina
14 – Denilson Neves
15 – ÍsisAmigos, espero que vos agrade esta versão final
do desafio semanal.
Obviamente, esta semana não comento o teor do poema.
Delego-vos essa tarefa.
Obrigado a todos.
Luís Monteiro da Cunha