Lançamento da Antologia Poética "Amante das Leituras"

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terça-feira, 28 de agosto de 2007

"Libertos, há cavalos no vento."


(Imagem: Flávia Borba)
de Xavier Zarco, in "O guardador das águas"

01

Libertos
Os cavalos
Correm ao vento...
Admirada
Visualizo ambos!


02

O vento passou ligeiro
pelos fios dos cabelos
me falou de liberdade
e se foi... deixando o cheiro.


03

escrevo antes do cavalo em redor da casa
liberto o vento. Este é o meu ardente país
aproximo a flor do cais e do azul navio
escrevo ainda o cavalo do mar ao vento


04

galopando sobre dedos enganados
projectam-se em horizontes interditos
enlouquecendo a palha da liberdade
dos sonhos pelos ventos mutilados

na noite, estranha ingenuidade
vão cavaleiros à rédea solta
aprender mentir a sua sombra
aniquilando o bafo do rebanho
em batalhas gélidas de maldade
à vileza de bons pretextos.


05

… no limite da amargura,
na prepotência, no abuso,
débil reinado, pura loucura,
opressão que incomoda, perturba,
solto os cabelos ao vento, abro as portas que uso,
cavalgo palavras minhas, isolado, na imensa turba

deambulo,
porque me encaminho
liberto de qualquer amarra
revigoro,
não anulo aquilo que se escreve, narra,
procuro
mote que não imploro,

componho o que me apraz,
faço mais do que sou capaz,

pensamento como cavalo irado,
desembestado,
vou mais além do que posso,
martirizo ondas do vento,
fustigado,
provoco sons cavos, profundos,
inundo meu entorno, giro à volta d´outros mundos,
invoco o Pai como nosso,

calmo,
sossegado no meu retorno,
alivio penas, dores,
sensações, divinos sabores,
doce campina que atalho,
tarefa que me proponho,

pertinente,
acicato mente de doidos, afasto garras, dentes,
cadeados e correntes,
quebro música mais funesta,
recolho martírios que vivo, trago o coração cativo
nesta liberdade que sinto,
neste vento que me liberta,
neste cavalgar que sonho
quando escrevo, quando componho!!!...


06

Ah, as sombras destes tormentos
Dia após dia
cavalgando a loucura,
sem selas, esporas,
existir ou voar...
Cala-se-me a voz nesta surda tortura
Montadas de silêncio
no suor morno que me perdura...


07

Olho grade da janela.
Contemplo mundo que passa.
Vejo cavalo sem sela
trotando à chuva que grassa.

Quem está fora ali fica.
Aqui dentro, sai fumaça.
Chuva forte alambica.
O que mais dói é desgraça.

Olhando assim pela grade,
não sou eu alma penada.
Prendi amor e saudade.
É cativa a madrugada.

Pingo de chuva escorre.
Céu cabe dentro da mão.
Passarinho está de porre
por amor que não lhe dão.

Olho tempo e vejo chuva.
Mundo está na prisão.
Talvez cela seja turva.
Não sei se cinza ou carvão.

Chuva respinga do céu.
Do lado de cá, o chão.
No meu dedo, frio anel.
Ao meu lado, solidão.


08

Alheei-me mas participo ter voltado
como os cavalos no vento, liberto!...

09

sem forma, o vento livre adere à minha pele,
como um vestido molhado.
cavalgamos o pensamento que realça
a substância, minha própria natureza

liberta, solta no pasto


10

há momentos. singram alheios
à raiz do pensamento. cavalgam
amuradas, deslizando e velozes,
como só o pensamento manso.
são o momento. aluvião deste oceano,
que importuna a reflexão do indizível,
no contraste do vento que solta a raiz
do cabelo impensável. pelo tempo
desnecessário e adiado



11

anônimos e discretos

como personagens de um diário
íntimo numa qualquer passagem
romanesca despedem-se,
de um modo singular
[talvez de ver e sentir],
das circunstâncias do vento

numa representação destemida
e inconformada, libertam-se.


12

Libertos há pensamentos presos
presos há sentimentos livres
prisioneiros há corações alados
o catavento é escravo do vento
o vento é escravo livre
ainda vou montar em sua crina
para observar o mundo do outro lado
e quando de lá regressar
quero trazer preso nas rédeas
o sopro saindo da minha boca
quando então gritarei:
"Libertos, havia cavalos no vento
mas hoje minha voz liberta esse poema
que há séculos estava preso/cativo
nas entranhas da minha ignorância.


13

Na vastidão o prado enorme
Colheita singular. odores
Sons e cores. o potro liberta
O vento cálido de narinas infladas.
Vibrante oferece-se ao templo
pelos quartos retesados
No resfolegar

O prado e o animal nascem
Do mesmo sopro de vento


14

são azuis os cavalos do vento
são ternos os cavalos do fogo

e neste tempo que vivendo invento
cavalgo sereno as dunas do meu voo




Colaborações:

01 – Cármen Neves
02 – Denilson Neves
03 – José Gil
04 – Ísis
05 – Manuel Xarepe
06 – Carlos Luanda
07 – Maria José Limeira
08 – Francisco Coimbra
09 – Sónia Regina
10 – Lmc
11 – Sónia Regina
12 – JASilva
13 – Lmc
14 – Jorge Casimiro

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Circulo sem Circunferência em pérola



(Foto de Audrey Hepburn, autor desconhecido)


talvez a língua carnuda e lenta, carnuda e rápida

em circulos sem circunfêrencias azuis na pérola

talvez a mais pequena esfera na subtil tranquilidade total

da minha língua, tento esfregar os olhos na água, fechar

a esfera dos olhos mel negro , paisagem do mar no coração

em silex cavalo e égua densos onde o fraco é forte e o forte

paisagem e casas baixas e jardins , nos beijos construídos

em cada segredo , em tuas faces de rosa, em teu cabelo de

vento quero fluir a primavera em todo o meu corpo, levito

como um pequeno castelo onde te espero na arrábida, feliz

muito na flor da felicidade dos grandes dias, já nada é fumo

virtual, tudo é lucidez ardente num pequeno escritório, os

seios nas mãos e a procura da pérola , desejaria que o dia fosse

tão longo como a vida na sua ordem triunfante, beijo-te no

espumante, cavalgar e perceber tudo o que a ânsia alcança

amo-te e perpassa o desejo, nos teus cintilantes contornos

desejo-te na coluna tranquila e serei na nudez a alegria do lobo

ó delicia do norte, quero o teu sul no meu sul aéreo fogo,loba

bebo o teu néctar, faminta negrinha o sabor de uma fonte onde

ainda não saciei a minha sede pura metáfora do secreto dedo,

da mãointeira. Penso na pérola no circulo sem circunferência

do cavalo o seu cilindro molhado aproxima o teu corpo nu levemente

começa por modelar onde quero correr os campos no teu cavalo

em cadência irregular, quero entrar profundamente suave

até que o espumante te inunda, as unhas cereja se escrevem como

um punho , a mão assenta nas nádegas no fulgor sentido

no adágio das vinhas, o que ondula inquieta, vento do

coração em pérola, a erva crescente os contornos infinitos


José Gil

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

"A poesia não tem mais bondade que um abraço desconhecido"


de José Gil, in "Beleza"



01

Chamem-me fogo.
Mar infinito.
Sentir do peito em imensidão.
Ou dor
Miséria e sofrimento,
Lágrima em vela
desfeita pelo tormento
nos mares negros da solidão...
Chamem-me beleza ou indiferença,
Palavra de seda ou sonoridade oca.
ou apenas vazio pretensioso
num nada de palavras feito.
Tanto me faz o que pensem,
O que digam ou que trocem.
Ou que jamais eu seja som
a sair de outras bocas.
Sou apenas poema
uma intenção pequena
dum abraço deitado ao vento
sem desejos ou intentos
nem procura de outros peitos.


02

Essa fantasia
de abraços anónimos,
mascara quase sempre,
uma militante hipocrisia

por isso
quero
a poesia
bem perto de mim.

03

sim, meu amor,
perto
os versos pingam,
num borrão

a ferida, o urro
que sangra a folha

e a poesia lambe
[até que cicatrize]
dia após dia, noite
após noite.

04

Quem és tu
que me abraça
sem me conhecer?
Não há na poesia
mais bondade
que no teu abraço.


05

Há mais sinceridade
no abraço anônimo,
do burburinho da cidade
do que no beijo em curso
do velho amigo Urso.


06

... pródigo convicto do abraço,
como escrevo, como faço,
estendo vontade para além de tudo,
com ele me confundo,
irmano meu corpo na mente que ascende,
na palavra que traço,
no poema que esculpo
na tecla onde bato,

saído da Terra, ínfima semente,
planta que cresce, que abarca quem passa,
afago o mendigo
quando predigo,
esqueço a desgraça,
como destino d´amor que se converte
num gesto em que se aposta,
como se gosta,

amigo desconhecido,
oferenda tão doce,
dádiva permanente, caminho,
bondade maior de todo o Universo,
num simples verso,
num gesto travesso,
piscar d´olhar cúmplice, imerso,
rosmaninho, incenso,

olores que se espargem,
sem erros, sem margem,
sem fronteira
nem barreira
no cume da cordilheira mais alta
se aproxima quem se afasta,
se detesta, se mata,
crueldade inexistente
no âmago da gente,

coração latente,
necessidade que se sente
num gesto emergente,
enlaço que faço,
quando dou, quando passo,
quando alinho palavras,
as arrumo, as empino,
as envio como destino!!!...

07

Sete luas ainda povoam os sete
concomitantes abraços de ilusão

Serenos sempre serão os sete
instantes do reino dilúculo límpido
de sentido da luz e abnegação

A poesia mora no olhar os traços
entre beijos e abraços do dia
resta o espaço poalha a saltitar

Entre o sol e as luas o interregno
Lençóis esvoaçam no ar absorvendo
a melancolia das sete almas nossas
desconhecidas no sonho traçam o olhar


08

discordando faço verso
num complexo abraço
desconhecendo o inverso
das horas nuas do laço...
veia de transcendência
sumo de transparência
é poesia a meu gosto
no suor do mês de Agosto.


09

a mão abraça o rosto do sol
levanta os cabelos devagar
rede do enlaço, heras
entre os nossos corpos
de um lado e outro do oceano
bebo a areia ferida em sonho
enamorado de nervos livres
a pedra leve, que nos eleva
inundando as marcas vivas

é no sentimento e na dor
que o amor vale, cresce
dorme nas folhas da tua boca
lenta e ao fundo da terra


10

(faz a canção como um rio,
faz o rio como uma canção)

um abraço desconhecido
pode sempre ser apenas um
meio de assaltar e roubar,

pode ser prazer apetecido,
num abraço deslumbrante
onde te falta o ar de tanto

inspirar fundo este mundo!!


11

tudo espera bem na esquina do sol
como uma mancha de céu na cal
tudo espera o braço, o abraço
rente a carne viva das palavras

uma infância inteira a ler,
a mastigar na escrita um
bichinho de conta
e ter a bondade de amar
universal


Índice de autores:

01 – Carlos Luanda
02 – Jamor
03 – Sónia Regina
04 – Denilson Neves
05 – Maria José Limeira
06 – Manuel Xarepe
07 – Luís Monteiro
08 – Ísis
09 – José Gil
10 – Francisco Coimbra
11 – José Gil

Maria*



(Foto: autor desconhecido)

de Sónia Regina


Livre de buscares significações e razões para tudo, acordas e, quando o fazes, despertas completamente. Tampouco te aventuras pelo passado: a importância está no que és agora. Interessante talvez venhas a achar, um dia, a brincadeira do passado e do futuro e, quando já não for uma brincadeira - por tão sérios serem seus efeitos - recorrerás à memória para traçares teu presente. Que este, insistente, possa falar e dele seja, o teu futuro, uma decorrência temporal.
A leitura ou a escrita não são suficientes por si só, há mais. Não paga contigo mesma o tributo à vida: há que ter algum, mas podes escolhê-lo. Embora a vida não seja um passeio, é uma deliciosa ventura – e aventura. Reflexões fazem parte e as discussões solitárias que terás contigo mesma te ajudarão a forjar um estilo próprio: elo que te garantirá poderes nadar no mar em que tantos se debatem.
Isto é uma imagem, mas não deixe que elas te dirijam, tampouco as palavras. Usa-as tu, na tua jornada, e escolhe o teu caminho. Muda-o quando achares por bem ou te aprouver, mas busca dar conta das movimentações necessárias, o amor presente.
O amor é um estranho fogo, por causa dele nos movemos: é o sentido da vida. A direção, damos nós.
Chegarás a lugares. Alguns difíceis de alcançar, talvez por isso mais saborosos. O desafio é inerente ao humano, as conquistas nos dão o valor das coisas. O sonho é fundamental, desde que construas os alicerces para realizá-los, senão poderás ficar um tempo demasiado à beira de alguma estrada ou, talvez, te debatendo naquele mar...
As artes são boas companheiras, a serenidade e a paz são sábias. As paixões, embora efêmeras, são necessárias. Nada se faz bem feito sem um interesse que nos tangencie o coração. "Esse interesse, chamamo-lo paixão quando, recalcando todos os outros interesses ou alvos, a individualidade por inteiro projeta-se sobre um objetivo com todas as fibras interiores de seu querer e concentra nesse alvo todas as suas forças e todas as suas necessidades. Nesse sentido, podemos dizer que nada de grande se realizou no mundo sem paixão." Assim dizia Hegel - um filósofo que será sempre importante - no livro "A razão na história".
O coração fala e diz coisas importantes, a serem levadas em consideração – não é só um músculo, ou morada da alma. Ouve-o, mas protege-o: ele é um eterno bebê – não como tu, que crescerá - sempre disposto a pular no colo de quem o toca. Às vezes se desaponta (o que se reflete em nós, sua habitação): nem sempre há um colo disponível atrás de um toque. Deixa-te tocar, não te defendas, mas cuida-te.
A natureza, ainda que estejas na cidade, não a dispenses. Há dias calmos e quentes, mesmo em junho. O céu é mais azul nessa época e olhar a lua à noite não te esfriará, poderás dormir com o calor que amealhares para ti durante o dia.
Os grilos sempre cantam lá fora, em noites no campo, muito mais estreladas. Ouvi-los e vê-las é magnífico e podes agradecer aos teus pais estares ali. Nada relacionado com o fato deles serem participantes da tua existência... E tudo, também.
Se não ouvires as cigarras, é porque só voltam para anunciar o verão. Mas existem, mesmo que não saibas onde estão. Há incongruências que basta reconhecer e há coisas que existem,
independente de creres. Contudo, atenta à filosofia e à metafísica, para não te enredares nelas.
As coisas que virão a te agradar estarão sempre presentes, fazendo parte de um espaço ao qual irás quando quiseres, sendo esses vôos objeto de teus desejos.
O estar referida ao tempo presente te engrandecerá. Tudo flui mais naturalmente e não pré-ocupares a mente te libertará.
Não coloques peso a mais do que já tiverem as tarefas a que te propuseres. Só assim – penso eu - sentirás o prazer de vivê-las. Não cries problemas das situações difíceis. Obstáculos são para serem ultrapassados ou contornados e problemas... Bem, uma vez criados têm que ser resolvidos. A matemática te demonstrará isso com números, mas vale a analogia.
Tudo faz parte, não deixa de exprimir-te. Atenta às tuas impressões, expressa-te.
O tempo é relativo e um instante será, ou não, breve. Sua duração depende da vida de cada momento. Olhar para as folhas em uma manhã de sol é tão bom, que o bonito simplesmente apreciado pode ser um instante infinito.

Um beijo carinhoso
da Sonia


* Tema do Mês: "Bebê, o infinito em ti se encerra"

Amor-perfeito


(Foto: autor desconhecido)


se em cada palavra de amor
florisse uma flor
em minha boca
eu te oferecia um ramo de acácias

seriam amarelas
especulando o sol de todos os dias

se em cada palavra de amor
eu te tomasse o mel dos lábios
e te estendesse
na suavidade do meu colo

seria doce cada memória
aspirando o enlevo dos beijos


se em cada palavra de amor
eu unisse ecos dos nossos sussurros
os espalharia ao vento
sedentos por unirem o mundo

teria criado a perfeição


Vera Carvalho

terça-feira, 14 de agosto de 2007

In Nomine


(Foto: autor desconhecido)
9.

dizem: as perseguições foram há muito tempo, quando ainda havia
paredes dentro da casa e as relíquias dos mártires era inatingíveis,
como um signo de amor que ainda não revelasse a sus face oculta


e são tantas,
tantas que as lágrimas apenas derramam o que resta do meu sangue, e
pareço quieto. e pareço firme quando sei que a chama me fará explodir
e que o meu corpo já não é a alma toda


dizem: é assim a cristandade. a alma não transporta o corpo nem
o resume. é uma entidade separada. de fora, o coração, o olho
esquerdo e o olho direito. a lágrima. a língua que inventa canções
quando o sangue vibra na chama


não, não é o corpo todo. o corpo não renuncia ao amor nem à dádiva
ser tudo perfeito, como se eu fosse uma concha que vivesse mil anos e
fosse apenas isso. um lento entrar e sair, assumindo a morte e uma
gratidão sem limites. saberia que dormiria a seguir e que atravessava
um oceano infindo, num mar que não é meu, mas que pertence a todos os
homens.


Jorge Vicente


Entrevista a Mónica Correia*

por Vera Carvalho e Carlos Luanda

1. Mónica Correia, sabemos que a tua escrita literária se iniciou na adolescência. Existiu alguma influência marcante que te levou para a poesia?

Mónica Correia - Desde criança que gosto de ler, li livros infantis e quando comecei a entrar na adolescência li as aventuras típicas da idade como os Cinco, os livros sobre droga: Christian F, Viagem ao Mundo da Droga e ainda baseados em histórias verdadeiras como Papillon de Henri Charriére. Quando entrei na minha adolescência hormonal devia ter mais ou menos 15 anos (é que eu era atleta de competição e isso atrasa o desenvolvimento) sentia-me a mulher mais incompreendida e infeliz do mundo…até encontrar um livro de poesia de Florbela Espanca na Biblioteca Municipal de V.N. Gaia e descobrir que havia mais mulheres que pensavam e sentiam como eu. Aí começou esta descoberta que é das únicas coisas a que me mantenho fiel: a poesia.
2. Como Mulher, como difícil arte de o ser hoje em dia, como consegues conciliar os papéis de esposa, mãe, dona de casa, profissional e poeta?

Mónica Correia - Nada na vida é fácil e há sempre alguma coisa que vai ficando para trás…
Um dia, algures na minha adolescência, confrontei a minha mãe com um elogio que um professor lhe tinha feito a respeito da minha escrita ao que ela me respondeu que seria bem melhor que eu aprendesse a limpar o pó! Mas definitivamente limpar o pó não "faz o meu género"! Por isso, sempre que posso é o papel de dona de casa que vai ficando em espera. Quanto ao resto faço os possíveis para os desempenhar da melhor forma mas só perguntando aos intervenientes em questão é que poderemos confirmar!


3. Mergulhando nas tuas palavras:

" Cânticos de silêncio que grito nas pautas de vida,Acordes sem acordo e desconcertante hipoteca de som.Escrevo a letra imaginária que cai dos olhosE se transforma em arlequim da poesia singular.Sem as cores que reflectem o cristal do teu olharSem o brilho perfeito reflectido da pele de vidro.Canto a voz que se agarra aos meus dedos mutáveisE deixo cair palavras na página finita de dias. "

Qual o sentido da tua mensagem poética? Pretendes expressar os teus sentimentos pelas palavras?

Mónica Correia - As histórias contam-se nas palavras do corpo e no corpo das palavras.
É um misto de emoções com necessidade de criar.


4. Citando Maria Teresa Horta "Não há nada que a nossa voz não abra", Mónica que portas abririas ao futuro da humanidade?

Mónica Correia - Da tolerância e respeito à diferença. Todos nós vemos o mundo de forma diferente e presunçosamente achamos sempre que a nossa forma é a mais correcta. Devíamos ser mais tolerantes e respeitar a visão dos outros.


5. Mónica Correia. Concordas com a afirmação de que toda a poesia é feminina ou pensas que o fenómeno poético está ligado a um universo de género indefinido?

Mónica Correia - A poesia é como os anjos: não tem sexo, no entanto pode ser muito sexual e assim sendo está indiscutivelmente associada aos homens. Não, não são os homens com falo de que falo, mas sim a humanidade! È uma forma de criação pintada de palavras.

6. Vejo em ti um espírito inconformado e lutador. Certamente autocrítico também. Como analisas a tua própria poesia?

Mónica Correia - Como pequenos retratos que tiro na realidade suspensa com a cor da fantasia. Quando vou ao baú sinto os poemas velhos e sem força, mas guardo-os novamente, fazem parte da caminhada. Continuo a tentar escalar a montanha mas muitas vezes sento-me cansada e espero que o céu se pinte de outra cor para voltar a escrever.

7. Achas que um poema é apenas uma semente ou lês a articulação das palavras como quem segue com o olhar os ramos duma árvore?

Mónica Correia - Todas as palavras são articulações: "a insustentável leveza do ser" é constituída pelas ramificações dos ossos nos poemas do corpo. Deito-me nos desvios dos ramos e colho a poesia, às vezes verde, às vezes madura, mas sempre com sabor a paixão.


8. Quando dizes, e cito-te:..."E cruzo as mãos de orações na absolvição do existir", pensas que a poesia é antes de mais uma atitude de libertação e purificação interior, assim como a tentativa de expiar algo indizível, ou pelo contrário um eterno franquear de fronteiras?

Mónica Correia - A poesia como qualquer tipo de escrita é um acto de libertação, mas esta libertação tanto pode ser uma punição como uma satisfação. Gritar nas palavras tanto pode ser uma gargalhada estridente como um som de dor. A emoção está lá a enfeitar as mensagens que dissecamos e consumimos como pão e água ou como o pecado da gula!

9. Acreditas que um dia a Humanidade encontrará verdadeiramente a Palavra?

Mónica Correia - Não acredito que se encontre a palavra universal… em cada país há um dicionário e há palavras que nem têm tradução de umas línguas para as outras, como a nossa saudade. Por isso e pelos valores diferentes que existem nas várias linguagens acho que nunca chegaremos a um consenso de Humanidade.


10. Se pudesses ser tu a descobrir a Palavra o que farias com ela?

Mónica Correia - Acho que se tentasse ir em cruzada para a espalhar pelo mundo, morria na fogueira ou era apedrejada por aqueles que me vissem como a bruxa da palavra do pecado. Nunca estamos preparados para perceber e aceitar o que não está ao alcance dos nossos olhos…



* Mónica Susana de Oliveira Correia nasceu a 14 de Abril de 1972 em Vila Nova de Gaia. Foi ginasta de competição durante 12 anos e frequentou a Escola Superior de Jornalismo no Porto, tendo enveredado para a área de Gestão e Marketing.
A sua escrita iniciou-se aos 17 anos, quando as suas emoções eram maiores que o seu corpo e tinham de se extravasar de alguma forma. Criou o blog "omeuumbigo" http://perigososcontactos.blogspot.com/, onde publica as suas poesias e para além de fazer parte da nossa lista participa na Lista Escritas de José Félix.
Em Dezembro de 2006 lançou o Livro Corpos Sem Som .
Em Março de 2007 participou na Antologia de Escritas N. 4 e em Junho na Antologia Poética Amante das Leituras.