Lançamento da Antologia Poética "Amante das Leituras"

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domingo, 23 de setembro de 2007

Corrente de amizade

Agradeço ao blog "Moendocafé" pela divulgação do meu blog, conduzindo esta corrente de amizade para mais e mais amigos.

A corrente da amizade tem por objectivo promover a solidariedade e o convívio entre blogues.

A vozquenaosecala faz as seguinte nomeações:

Moendocafé de Ninho de Cucos

A pedra e a fala de Bosco Sobreira

Barcos e flores de Amélia Pais

A tradução da memória de Alice Campos

onelightpublishing de Alexandra Oliveria e Joseph Sherman

Diário Poético de Constatino Alves

A Teia da Aranha de José Félix

Xavierzarco de Xavier Zarco

Perigosos contactos de Mónica Correia

Cisno negro de Zénite

Cada um dos nomeados deverá nomear outros 10 numa postagem , idêntica a esta, onde colocará a imagem aqui representada.

muitos jinhos

"De alegria, de ternura, de compaixão. Dá vontade de enlouquecer."

de, Virgílio Ferreira, in "Pensar"


01

também vim do caos, noite.
não fermentava, a cor,
esquecida do tempo;
a luz, nada inaugurava

a não ser o poema, tudo passa

na alegria, na ternura,
o dia não é a realidade
olhada com o pensamento

por isso não existes, resides
ou te inventas. eu, tampouco.
somos palavras frescas,
recém-escritas, soltas,
livres de compaixão

as que palpitam, sem qualquer
entendimento. no papel,
a vontade de enlouquecer


02

Uma só palavra ascende o espírito
Perante a lascívia que corrói o corpo
Perante a devassa deste mundo
A imaginação é o berço da viajem
Efémera razão que combustiona
A evasão do tumulto se encerra
– Nem que seja por um segundo –
a dor do amor da guerra e do prazer
da volátil alegria de ternura emergente
onde toda a compaixão dá vontade
apenas de enlouquecer sem pensar
sem pensar como Virgílio derradeiro
viver apenas e só o momento único
sem futuro em que investir o segundo
resta o primeiro espírito ou fracção


03

Dizem-me que sou feito só de tripa,
o que nelas me iguala ao animal,
que a alma em lodo toda se dissipa
quando chegar a recta em seu final.

Renego a excomunhão de ser de cal
quando em cinza, apagada condição,
me embrulharem nas folhas de um jornal
e me espalharem no correr de um chão.

O Homem ainda é a besta alcantilada
que no alto degrau da criação
rasteja em vão em jaula amuralhada…

Mas ainda há luz no fundo da matéria
para levar o bater do coração
a transcender o pó desta miséria!…


04

... o melhor que temos,
distingue,
na representação que nos concerne,
papel que nos foi entregue
por quem nos dotou de verve,
trejeito apropriado
para cada local, momento,
usando, com discernimento,
quando cordatos do que fazemos,
variados sentimentos,

manifestos irreprimíveis,
sonantes, espalhafatosos,
não audíveis, maravilhosos,
confortos que nos consolam,
nos enobrecem,
assolam,
consoante ruínas que fazem
desgastes,
quando desfazem,

dualidade que enlouquece,
alegria desmedida,
tristeza de qualquer vida,
ternura que dura,
perdura,
compaixão de quem muito sofre,
pitadas que nos deram
guardadas,
como num cofre,

cerradas a sete chaves,
como cafres ciosos que esperam
por muito mais do que têm,
avaros,
sem entraves,
olhando para ninguém,
eremitas assumidos,
pretensos,
quando enormes, quando imensos,
incapazes de rir, chorar, gemer,
muralhas de aço, perante
gemidos,
dando, fazendo sofrer,
ignorando o degradante,

doce afago se sente,
sorriso que aflora,
lágrima que desliza,
chora,
tremura que nos embala,
colo que alberga o Mundo
refúgio de tanta gente,
dor tamanha que esmaga,
compreensão que aglutina,
não dispersa,
fome que escandaliza,
riqueza que se desbarata,
prodigaliza,
inferno provocado pelo homem
horror que mata,
almas que se apagam,
somem,
quando disparam,
maltratam,

súmula que me compõe,
alegria de quem se isola,
imaginação que tudo apaga,
loucura de quem procura
enclave miraculoso,
recanto maravilha,
num oceano, uma ilha
em que habito, em que ouso,
refugio do que me envergonha,
longe do malévolo,
peçonha,
busca da felicidade eterna
que comove,
tão terna,
que me une, me move!!!...


05

repartem-se sentimentos
cantando distâncias
em lúcida loucura...
dividem-se sentimentos
algemando-se ângulos
em cavalos de fortuna...

e a/deus ternura...crivada de medos em estrelas puras.
e a/deus paixão... turbilhão emoção em puro algodão.
e compro_metida alegria todos te esperam no dia a dia.


06

O caos a que me entrego
me renega.
A dor em que navego
aflige e cega.
Mas tudo se desfaz
em alegria
quando coração
vai pra frente,
volta atrás
e ternura,
mais que apenas dor,
inscreve-se com-paixão.

Para mim, loucura é isto.
Criar a partir do caos.
Ser feliz na dor.
Ter coração.
Gritar até o último momento
(Ah! Eu protesto! Protesto!)
quando vencem os maus.


07

enlouqueço de prazer
quando dás o corpo

e morremos
de prazer

na perfeição
de_ter a poesia feita...




Índice de autores:

01 – Sónia Regina
02 – Luís Monteiro da Cunha
03 – José Dias Egipto
04 – Manuel Xarepe
05 – Ísis
06 – Maria José Limeira
07 – Francisco Coimbra

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Mulher da Vida



(Foto: autor desconhecido)

Levanta mulher da vida
Tá na hora do trabalho
Hora de voltar pra lida
De quem rala pra caralho

Te acusam de vida fácil
Falam mal do teu ofício
Fonte de prazer portátil
Que abastece todo vício

Quem te vê rodar bolsinha
Na rua da Meretriz
Duvido que adivinha
Do que escapou por um triz

Porque te perseguem mais
Do que à tua perseguida
Cafetão sempre quer mais
Policia cobra a batida

Navalha na carne dói
Por isso não beija a boca
O preconceito corrói
Contudo, lhe tira a roupa

Te xingam de vagabunda
Mulher perdida, rameira!
Quem não olha a própria bunda
Quer te botar na cadeia

Mulher que dá sem vontade
Te iguala na profissão
Quem dá por necessidade
Não entra em contradição

Se fosse universitária
Ou garota de programa
Já não seria gentalha
E muito menos piranha

Fosse dona de bordéu
Não daria a tua buceta
Não viverias ao léu
Mendigando por gorjeta

Seria até respeitado
O teu estabelecimento
Não venderia fiado
Nem faria abatimento

Políticos e juízes
Comeriam na tua mão
Não haveriam deslizes
E nem ordem de prisão

Mas quem milita na zona
Pelo pão de cada dia
Só usa roupa cafona
E não goza regalia

Se a nossa sociedade
Não fosse tão desumana
Riria da falsidade
Não te poria na lama

Mas quem come a tua carne
Cospe o prato em que comeu
E depois não faz alarde
Nem conta que te fodeu

Vai chegando sorrateiro
Olhando sempre pro lado
Paga a conta do puteiro
E sai de lá abaixado

Vaca, Vadia. Biscate
Michê, Quenga, Pistoleira
Vigarista, Vadia, Puta...

Mulher à-toa?...

Qual o quê!

De todos os apelidos
Que pintam voce tão feia
O melhor que tenho lido
É o que te chama guerreira

Quer saber?...

Se durou mais de mil anos
E é a profissão mais antiga
Peço licença aos arcanjos
Vida longa às raparigas!

Denilson Neves

Entrevista a Sónia Regina*

por Vera Carvalho e Carlos Luanda

1.Sonia Regina, quando e como despertou o seu interesse pela poesia?

Sonia Regina - A minha avó portuguesa me recitava inúmeras vezes a Nau Catarineta, eu adorava ouvir aquela história contada em versos e "via", junto com o gaijeiro, as "terras de Espanha, areias de Portugal!". Ela escrevia quadrinhas, me convocava para ver a forma nas nuvens, as folhas balançando ao vento. Minha mãe adora a natureza e fica embevecida com a beleza que há em cada coisa: o movimento do mar, a cor da grama e o cheiro da terra depois da chuva, o pôr-do-sol, as nuvens na montanha, a névoa na serra. Sempre nos chamou a percebê-la – a mim e ao meu irmão. Acho que foi assim que elas me despertaram a imaginação, cultivaram a minha sensibilidade e o interesse pela poesia – dita, escrita, vivida em cada coisa - , quando eu era criança. Mas ler poesia mais amiúde, procurar conhecer os poetas do mundo, das várias épocas, e escrever poemas, foi a partir de um projeto de poesia que desenvolvi com crianças de dez anos, em 1999. Fui procurá-los para apresentar a eles, incentivei-os a escrever. Eles criaram, e eu junto. Não parei mais.

2. Como escritora e psicanalista é possível fazer-nos uma análise da sua relação com aquilo que escreve?

Sonia Regina
- É complicado a gente analisar uma relação nossa. Nem sei se, ainda que tentasse, não resultaria num apanhado de inferências, suposições. Mas posso dizer do que percebo, do que sinto.
Gostava de inventar peças de teatro – que encenava com os amigos -, quando era criança. Contos de fadas, princesas em vestidos esvoaçantes, histórias de amor.
Escrever sempre foi uma necessidade. Dos desabafos adolescentes passei a escrever crónicas e algumas narrativas em 1ª pessoa, ou em 3ª pessoa. Não me agrada criar personagens ou escrever diálogos, acho que por isso nunca escrevi um conto, ou um romance.
Sempre escrevi por prazer, escrevo quando tenho vontade. As listas me ajudam a dar um ritmo, mas não me obrigo. Passei um período ultimamente em que precisava escrever todo dia. Às vezes dois poemas por dia. Mas não penso sobre isso, escrevo e pronto.
O que não gosto, jogo logo fora. Só dou título se acho que o poema é bom – ou razoável - e não tenho escrito prosa, a não ser alguns ensaios, de estudo.
Não costumo ficar relendo o que escrevi, embora eu o faça quando visito o Espaço Aberto do Joaquim Evônio e o meu blog: acho-os bonitos, estar por ali é relaxante.
Na prosa eu penso, pra escrever, na poesia não. Não escrevo mandando recados, nem em poemas do amor eu o faço. Tampouco escolho um tema. O poema acontece em mim, às vezes a partir de uma frase que escute ou leia. Às vezes de uma palavra, às vezes de uma imagem. Anoto em qualquer papel e já tive um caderninho dentro da bolsa, o "Dolores Duran"(é o nome de uma antiga poeta-letrista, famosa por aqui – que tinha um) para ir anotando coisas que me surgiam. Já aconteceu de eu acordar no meio da noite com um poema pronto dentro da cabeça. Se não levanto pra escrever, depois esqueço. Não acho que seja um transe, como se achava dos poetas da antiguidade. Acho que é uma vocação, talvez um dom. Um mistério. É uma voz íntima que quer dizer o que nem sempre conheço – ou reconheço. E eu deixo-a falar.

3. Qual a sua intenção ao criar o conceito "Laboratório da Palavra" e por conseguinte a revista digital?

Sonia Regina - O conceito foi formulado a posteriori. Nos laboratórios da palavra trabalha-se com a palavra e a imagem, são oficinas de escrita criativa. Verifiquei que se consegue expressar muito dos sentimentos alocados na carne e na alma, alinhavados ou tangentes, utilizando a imagem. Ela incentiva e ajuda na composição, quando a palavra é insuficiente. Na revista digital divulgamos essas expressões publicando os novos autores e a expressão universal, esta através da poesia de autores de vários países. Nos laboratórios da palavra trabalha-se com o mistério, a paixão, o amor, o ser, tudo... e nada.

4. Na "Laboratório da Palavra" e no "No fluir da metonímia", há uma união entre o áudio visual e a literatura. Você acha que há a necessidade de usar outros recursos além da linguagem verbal para fazer poesia?

Sonia Regina - Não, não acho necessário. É que tento ir além da palavra. Nem sempre a palavra diz do que quero expressar e a imagem ajuda a compor. É como diz a Clarice Lispector, a música e a pintura têm mais possibilidades de criar os seus elementos. Pode-se criar um pigmento de um tom ou cor inexistente; uma suite, uma rapsódia, um arranjo jazzístico. A literatura tem palavras pré-existentes.

5. Colaboradora em workshops e palestras no Brasil, Sonia, qual a sua visão de "Escrita Terapêutica"?

Sonia Regina - Terapêutica, não psicoterápica. Não é um objetivo nem uma questão de catarse, de despejar algum acúmulo emocional, embora no consultório – com ajuda de um psicoterapeuta menos ortodoxo - se possa usar a escrita como meio auxiliar, mesmo Freud relata casos assim. A escrita terapêutica à que me refiro diz respeito ao resultado da escrita: no depois se verifica que fez fluir algo que estava intimamente obstruído. O escrever organiza. Uma vez dita, a coisa se inscreve, se significa e re-significa, ganha corpo e expressão concreta. Penso que através da escrita alguns `nós' interiores podem ser desatados, ou elaborados.

6. Sonia, ao ler-te tenho sempre a sensação de sentir-te as construções das palavras como elementos de delicadas filigranas. Peças que dizem tudo pela arte de capturar os espaços através da nobreza que os emoldura em estruturas de elegância e que lhes confere luz, brilho e volume. Nunca tens a sensação que um poema possa implodir sob a sua aparente fragilidade, ou é mesmo esse desafio uma das tuas motivações?

Sonia Regina - Respondo não às duas. Meus poemas não são contidos por mim. Sei que sou vulcânica, mas entro em erupção normalmente. Ou seja, tudo meu é intenso – sou alegre, triste, amo, odeio, me deslumbro com as coisas, tudo intensamente - e penso que isso se reflita nos meus poemas. Se alguns são doces, é porque sou mesmo meiga e afetuosa. Minha delicadeza não vem de uma fragilidade e sim de uma gentileza que me agrada. Não sou rude, a não ser que me invadam, façam alguma injustiça ou maltratem quem eu gosto: aí fico irada e sei que minha palavra fere intencionalmente, mesmo os mais fortes. Mas com leveza, sem ironia ou rispidez. Há alguns poemas que escrevi assim.
O que me desafia são as causas dadas como perdidas, algumas vejo refletidas nos poemas. E o que me motiva é a paixão: tenho que estar apaixonada sempre, ou por alguém ou por uma idéia, ou por uma atividade – profissional ou não. Às vezes se reflete nos poemas, às vezes não.
Na verdade, é o poema que me respira e eu...Bem, acho que esta foi a melhor descrição que já fizeram de mim: "Poeta por vocação, psicanalista por paixão, mãe por amor, mulher do mundo por missão, artista por mistério…"

7. Se por mera hipótese nos víssemos de repente a viver num mundo sem o conceito de poesia, como pensas que seria encarado alguém cujo olhar a inventasse?
Sonia Regina - Olha, ontem mesmo uma pessoa com quem conversava, ao saber que eu era psicóloga, disse (sorrindo) que todo `psi' é doido. Quando eu disse que era poeta, aí é que riu mesmo. Não acredito que houvesse mudança, penso que a história se repetiria. O poeta é mesmo estranho, às vezes é um bom espelho, às vezes incômodo. Geralmente produz perplexidade, estranheza. É desconhecido e enigmático. Tem um olhar diferente, por vezes contacta o Belo e geralmente toca os corações. Só que na antiguidade o poeta era visto como o que acessava o passado, escrevia em transe a partir do contato com os deuses. Tinha tanto respeito e valor quanto os oráculos, que acessavam o futuro.

8. Achas que ser poeta é um privilégio, uma iluminação, ou é uma predestinação maldita?

Sonia Regina
- Acho que nenhum dos três. Mas penso que já comentei bem acerca disso, anteriormente.

9. Dada a tua formação académica multi-facetada e especializada em áreas complexas do infinito interior humano, e dado que transportamos toda a carga de conhecimentos em tudo o que fazemos, que perigo (ou não) sentes de puderes deixar escorregar o teu dizer poético para o hermetismo?

Sonia Regina
- Acho que todo o perigo, mas não só pela minha formação. Sou uma pessoa comunicativa, simples, faladeira; e ao mesmo tempo tímida – sei que por vezes pareço antipática. Sou reservada por natureza, embora gostem da minha companhia alegre. Sei exercer a autoridade, tenho boa auto-estima, sou completamente independente mas adoro a proteção e o cuidado masculinos. Não sou previsível, acho que sou meio paradoxal. Se eu sou por vezes não-compreendida, como não acontecerá com a escrita? A minha prosa tem poucos fatos, o que a torna, por vezes, hermética. A poesia corre o mesmo risco. Que fazer? Andei dizendo que queria que o açougueiro da esquina se emocionasse com o que escrevo, e andei tentando mudar o jeito de escrever. Deu-se um branco. Tenho que me satisfazer se conseguir chegar ao seu coração, ainda que não entenda uma ou outra palavra, ou não compreenda do que falo. É como diz Herberto Helder:

"Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser. (...)"

10. Olhando para trás, e recapitulando com um olhar crítico mas duma forma genérica, que poemas te arrancaram os pedaços da alma com que os escreveste e que poemas não escreverias?

Sonia Regina - Um em especial me "arrancou pedaços da alma", chamado "Assinatura". E mais três: "Grito" *, "Reforma Agrária" *, "Jardineiro da Vida". Muitos do amor, uns eróticos, mas como referi-los todos? Refiro um que fala do amor por tabela, diz da saudade de certo tato: "Navega o lápis a memória do tato" *.
Não escreveria "quando chovo no mar" – acho-o horrível – nem "o olhar sensível toca o solo, reverso" – não entendo nada do que lá está escrito.

11. Por último, e agradecendo o tempo dispensado, gostaria dumas palavras breves, e como sempre especiais, do teu pensar para todos os colegas e amigos da lista. Obrigado mais uma vez.

Sonia Regina - Agradeço o "como sempre". Esta especialidade – se há e aparece – deve-se à especialidade desta lista, dos companheiros, do clima. Sinto-me completamente à vontade para ser aqui do jeito que sou e sempre tenho a sensação de acolhida, com qualquer humor ou expressão na palavra. Isso é bom. O jeito simples e cordial também me agrada, até o jeito de se discutir: as diferenças são respeitadas. Lamento é não comentar ninguém e me sinto em falta. Mas é um princípio que teria que rever: como não dá pra comentar muitos, não comento nenhum. E os que são lidos ficam sem saber.
Bem, obrigada pela oportunidade e pelo trabalho: percebe-se que houve muito, para me apresentar essas questões magníficas, que me laçaram completamente. Foi um imenso prazer respondê-las, desculpem-me se me estendi. Parabéns aos dois.


* Sonia Regina é o nome literário de Sonia Regina Campos, carioca, escritora, psicanalista e professora. É aluna do Programa de Pós-Graduação em Literatura da UERJ, onde se especializa em Literatura Brasileira. Exerce a psicologia para o Estado do Rio de Janeiro, tendo sido licenciada pela PUC/RJ e pós-graduada pelo Instituto de Psiquiatria/UFRJ.
É a editora responsável pela revista digital Laboratório da Palavra, que fundou há 6 anos, onde divulga a poesia universal e publica novos autores. As atividades de produção e criação de multimídias unidas à literatura lhe propiciaram verificar outra linguagem do subjetivo, que originou o projeto de pesquisa "Habitações Poéticas do Teatro: Cenários e Escrita Dramática".
Tendo criado o conceito "Laboratório da Palavra", coordenou cursos de formação e grupos de estudo e criação de texto que associam a palavra à imagem; proferiu palestras e workshops no Brasil, em Portugal e no Uruguai, onde também apresentou o trabalho "Escrita Terapêutica" - de sua autoria -, no 4º Encuentro Internacional Literario Abrace – Solidariedad entre Creadores.
Em novembro de 2001 foi a Montevidéu – como convidada internacional da Mesa Redonda `Ciclos Literários", do Movimento Abrace – para proferir comunicação científica sobre a investigação que realizava no Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro com pacientes do hospital-dia, na Oficina da Palavra que coordenava. Essas produções originaram o livro Ser poeta é se viver e foram objeto da matéria publicada por Artur Dapieve no Jornal O Globo, disponível no endereço:
http://www.geocities.com/laboratoriodapalavra/COLUNA-DAPIEVE.htm
Foi uma das diretoras do Grupo Cultural Contraponto - produtora de eventos culturais, cursos, sites e revistas virtuais - e co-fundadora da editora Letra&Cia.
Integra os Grupos de criação e discussão literária do YahooGrupos: Amante das Leituras, Netpoema e Encontro de Escritas, em cujas antologias consta.
Lançou em Portugal e no Brasil Uitzilim Poemas e Laços y Lazos - Manual de Escrita Criativa, este em co-autoria.
Apaixonada pela poesia - antes de tudo poeta -, tem seus trabalhos publicados na web nos endereços:
- No fluir da metonímia – Poemas (blog pessoal) http://sregina.zip.net/
- Varanda das Estrelícias - Espaço Aberto http://www.joaquimevonio.com/espaco/sonia_regina/soniaregina.htm
- Mundo do Poeta - www.mundopoeta.net/autores/sonia_regina.htm
- Dubito Ergo Sum – Site Cético de Literatura e Espanto http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/1indfic.htm
-Revista Digital Laboratório da Palavra http://br.groups.yahoo.com/group/laboratoriodapalavra

*grito

Eu, por mim, não dou nada
tomo, pego, arrebato
devolvo cada mau trato
fico é fortalecida
a cada farsa, mentira
cada punhalada cravada
me lança numa jornada
teimosa, vou à batalha
resisto, não quero ser pária
afio minha navalha
encaro toda desdita
transformo a vida diária.

*http://www/.casadobruxo.com.br/poesia/s/reforma.ht

* Navega o lápis a memória do tato

Navega o lápis a memória do tato, estremece
na ponta dos meus dedos, oferece-se ao ato
numa respiração acelerada

ama-me e me despe de toda civilização

sou já poema, versos que ardem
escritura da saudade num papel
sem linha, regra, lei ou margem

Sonia Regina

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Devia ser Natal

Foto: Bruno Espanada


de Jorge Casimiro


Vejo o teu retrato ao piano. Devia ser Natal. A tua mão pousa no recato do teclado enquanto tu posas para o magnésio à la minuta da máquina fotográfica com um olhar vivo de menina feliz. Longos cachos de cabelo encordoado escorrem-te pelos ombros frágeis. E chega-me um som sustenido da memória sépia desse momento longíssimo.

Afasto-me uns passos. Fecho os olhos. E revejo a cena a que nunca assisti. A família reunida em teu redor, como se tu fosses o centro de um pequeno mundo. Suspensos todos do teu talento precoce. Devia ser Natal. Havia ainda presentes por abrir junto à grande boca da chaminé, onde um fogo luminoso consome troncos geométricos com uma voracidade aconchegante. Uma cadeira de baloiço voga lenta em contraluz, tripulada a compasso por uma silhueta esguia e escura.

Ouvem-se palmas carinhosas. Deves ter terminado mais uma peça. Talvez Chopin. Há um faiscar trémulo de velas nos cristais da mesa, posta a preceito para a solenidade ritual de mais uma reunião familiar. Devia ser Natal. Avós, irmãos, pais, tias, primos distantes. Seríssimos senhores de fartos bigodes aristocraticamente retorcidos e encerados. Penteados de risca ao meio esculpidos a rigor e brilhantina. Senhoras assertoadas numa elegância démodée. Crianças aquietadas com severidade para o enquadramento estático da objectiva... Todos aqueles rostos desconhecidos que percorro em velhos álbuns fotográficos herdados já não me recordo de quem. E o cirandar atarefado de um exército de criadas engomadas de folhos de renda branca sobre o negro impecável das fardas. Trazendo e levando terrinas e travessas, pratos e porcelanas. Para que tudo saia perfeito. Devia ser Natal. Para que tudo fique memorável; no registo eterno de mais um retrato de família que sobreviverá a todos, no seu esmaecer lento. Para ser contemplado com uma curiosidade indiferente por perfeitos desconhecidos que virão do futuro. Desconhecidos como eu, que olho o teu retrato ao piano em pose para o passarinho que te trará até mim, sem que tu o saibas ou possas sequer suspeitar. Se não, talvez até me acenasses com essa mão delicada e pálida que pousas no colo com a serenidade afirmativa de quem confia no futuro. Sem te dares conta de que o futuro é tão transitório como tu ou eu, ou este retrato antigo em que os meus olhos tropeçaram por acaso. Porque o acaso é o verdadeiro futuro de todos nós. Um futuro de Natais sucessivos. A engordar compassadamente álbuns e álbuns de retratos com sorrisos e inocências de criança.

E neste meu futuro solitário, ponho um disco a rodar na aparelhagem: um coral qualquer de vozes infantis e piano em fundo. Recosto-me no meu sofá preferido, afundando-me lento de torpor em longas fumaças de cachimbo. Devia ser Natal. Acaricio o teu retrato ao de leve, uma última vez. Com a timidez fugidia de quem devassa um tempo alheio, desbotado. Num gesto sussurrado, cúmplice. Como quem combina um segredo.

Fecho cuidadosamente o álbum no vermelho frágil da capa com vestígios mínimos de letras a ouro, e volto a depositá-lo no fundo da arca onde te encontrei por acaso. E no silêncio da neve lá fora, a embalar a noite com o seu algodão, tu acenas-me suavemente, reveladora. Como quem segreda um futuro.


Ilusão

Quem já pisou a linha do horizonte?
Quem pensa,
iludido na cegueira do sol pôr,
alguma vez ter amado?
O amor é inatingível,
uma quimera escorrendo entre os dedos em areias e ilusão.
Sempre que alguém pense te-lo encontrado,
mesmo se pousado na palma da mão,
não o consuma.
Ele desfaz-se
no pó do nada
de que é feito a nau do desejo à chegada.
Afinal,
apenas a viagem importa
e o amor fica já ali
onde o sol em chamas,
numa linha eterna
dum verso por terminar,
nos chama.

Carlos Luanda


Análise Crítica

Este texto "Ilusão", de Carlos Luanda, é um verdadeiro achado na
internet, oásis onde a gente pousa para matar a sede, num tempo de
aridez e terra calcinada... Aparentemente lugar-comum, porque trata
de "amor" (e este tema já foi explorado a mais não poder por vários
autores - velhos & novos - o texto empresta um novo enfoque ao
assunto....
E vamos encurtar a história:
Trata-se do fugaz, do que antes de ser já era, do que pensa que é
presente e já passou, da "ilusão" de quem sonha alguma coisa, e é
outra completamente diferente porque já se consumiu (se consumou?)
em chamas e agora é cinza.
Vive-se porque se vive.
Ama-se porque se ama.
É um texto Poesia, do primeiro ao quinto, e estamos conversados.
"Bem haja!", como dizem os portugueses.
"Carago!", como bem diz Ana Maria Costa.
"Saludos!", digo eu, ao autor de tão belo poema.

(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de
João Pessoa-PB)

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

"A casa é sempre o lugar certo de peleja",

de José Dias Egipto, in " A Casa"
(Foto: autor desconhecido)


01

Sou dos dias antes das estrelas.
Desses tempos do Nada eterno.
De onde surgiu o fino fermento,
que cozeu no mundo
o forno do Tempo.
E continuo sempre nada.
sem sois ou luas que me invadam
Não viajo, não resido,
não existo, nem me invento.
Não sei o que é um tormento
nem de estar preso em parte alguma
E sendo menos do que a ausência
que se perde no infinito.
É disto mesmo que preciso.
Desta paz dum mal que não sinto.
E onde moro; a minha casa...


02

… encontramos
no íntimo, o que buscamos,
faminto que procura no lixo,
resposta para tanta pergunta que assusta,
aviltação que sinto por isso,
sombra abrangente que obscurece a razão,
temerosa dúvida que se tem,
não busca,

ludibria quem se alheia,
beneficia quem se preocupa,
nisso se ocupa,
inocente que morre na hecatombe,
casa de cada um, peleja constante,
mausoléu que cerra horizonte,
mágoa,
desconforto de quem sente
inquietação,
acomodação do indiferente,
situação degradante,
aberrante,
como manchas que alastram,
escuras, lodosas, espessas,
matéria do ventre da Terra,
líquido maldito, putrefacto,quando se retira,
terra de ninguém, desacato,
desterra,
acondiciona como espécie rara,
energia cumulativa de milénios,
envolvimento soterrado,
enriquecido,
razão primeira, coisa cara,

base que sustenta,
destrói,
constrói
impérios que soçobram perante morte
consentida,
fortuna colossal que amedronta,
lama que se transforma,
situação descomunal que afronta,
nódoa que ostenta, como sorte,
sem destino, como norma,
energia temida,

devastação com que deparamos,
quando olhamos,revoltamos
na sanha que usamos,
quando travamos luta incerta, injusta,
celestial, puro,
causticando vítimas inocentes,
rochedo imponente, bem duro,
enfrentando o que nos assusta,
proveitos,
dispêndios connosco, com outros,
pobres loucos,
matéria infecta,
dinheiros, regalias,
ilusões, fantasias,
obcecações,

sussurros, segredos,
medos,
conluios, conspirações,
degredos,
suspiro de quem se julga longe disso,
inferno a seus pés,
afago sem agasalho,
confissões, plegarias, fés,
resultado da cegueira colectiva,
quando se invectiva,

acirra
na mentira,
degradação que nos transtorna
o juízo,
luta contínua, desigual
entre o bem, o mal,
divina ceia de quem se banqueteia,
negridão que avassala,
escravização de quem se desfeia,
confunde espírito mais daninho
como embriagado por vinho,
empedernido ser translúcido,
pesado, grosso,
rude desgosto
com que me igualo
quando calo,não me insurjo!!!...


03

cada viagem ao berço será
sempre o início do regresso
o retrocesso na peleja dos olhos
travessos como a aragem

cavalgar cada praça no pau
da existência da vassoura
a excomungar uma limpeza
de ideias que não se desejam

caravelas ainda velejam nos rios da infância
correm de novo para os campos sedosos
de tubérculos e caules dos milharais
onde criança erigia-se a casa ruidosa
sob as bandeiras que eram douradas
sobrevoadas por aviões de asas
recortadas nos gritos constantes
dos temerosos animais

O lugar certo
da peleja
habita no coração


04

entre o que sei e o que não digo
ponteiam súbitos de serenidade
entre o que não sei e o que digo
cravam-se abismos de vaidade
fico-me pelo pudor do silêncio
que sufoca a peleja acesa
de bocas soberbas

05

por isso, deixem-me enxergá-la.
deixem-me ver, na minha casa,
tudo que de tão meu ela guarda
porque

"Guardar uma coisa é
olhá-la, fitá-la, mirá-la
por
admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela
iluminado"

(1)(1) António Cícero


06

Em casa sou asa
Em caso que eleja
Peleja e litígio
Inseto de frutas
Quintal de palavras
Sou lavra de larvas
Minhocas, lampejos
Prego percevejos
Ampulheta, paráfrase
Parafuso difuso
Alicate abacate
Sabor enjambrado
Por sal e açúcar
Extraio das sobras
De sombras profusas
A seiva do novo
Reciclo o telhado
Espatifo as viga
e me recolho lenha


07

na segurança do lar
têm lugar as grandes pelejas
servidas pela pele
tendo o corpo por bandeja
saber ao certo...o deserto pelas dunas
correndo o vento
em companhia ao pensamento
porque o que sei
diz-me ser de súbito apenas
o repente a decidir

o que é certo
tendo por errado o contrário
enquanto as palavras...
valem o que vale(m) tudo


08

Diversas pelejas
assumem contornos de luz
quando procuramos no lar
que existe dentro de nós
e deixamos nas noites a voz da pele
para entregarmos às manhãs
o beijo fresco da paz.


09

É em casa que guardo todas as minhas pedras
dentro dos livros de oração.


10

Dentro de velho livro,
rato sorrateiro e teimoso
come e bebe as mais belas
palavras de amor
que escrevi para alguém
que não me quis.

Na casa soturna e abandonada,
esse ratinho treloso
é o momento alegre
da mais triste história
de amor que então vivi...

11

A casa que não tenho
é a casa que desejo
porque a que possuo
nada dela almejo.
investi todo meu amor
na casa que construí,
meu sangue, minha dor
meu suor fiz cair,
mas pretendo outras casas
em estado de construção
para fugir desse marasmo
do dia a dia, pão e pão.
Construirei o palácio dos sonhos
e a vida terá continuação
construirei na verdade
sem alicerce no chão
o palácio para a posteridade.


12

Outra vez a casa…
O tumulo inconfesso
da nossa vida a sós;
o regresso sempre imaginado
ao lado mais uterino de nós…

Outra vez o quarto, a sala,
o cheiro das roupas penduradas,
os lugares da alegria e do pranto;
fragrâncias de momentos do tempo,
carne nossa, partilhada, que jaz em cada canto…

De novo os livros que forram as paredes,
nossos íntimos horizontes,
uma outra pele lisa, amarelecida e calva;
aconchego e luxúria do espírito,
rede, tantas vezes, que nos prende e que nos salva…

Tirem-me tudo da vida que eu aguento!
Mas deixem-me ouvir os sons da casa,
a música e as vozes do meu jardim partilhado.
Porque sem esse unguento de luz e de gente
ficarei cego e gélido mesmo no calor da maior brasa!...




Índice de autores:

01 – Carlos Luanda
02 – Manuel Xarepe
03 – Luís Monteiro da Cunha
04 – Vera Carvalho
05 – Sónia Regina
06 – Rogério Santos
07 – Francisco Coimbra
08 – Ísis
09 – Ana Maria Costa
10 – Maria José Limeira
11 – José António Silva
12 – José Dias Egipto

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

"A seiva borbulha a cada acorde",


de Sónia Regina, in "uma flor no outono"


01

trago dentro de mim, um horto
onde cultivo minhas flores
onde colho meus próprios frutos
onde ouço o canto dos pássaros
onde caminho nos finais de tarde
onde transito pela seiva de acordes
entre tantas e generosas árvores
que abrigam com boas sombras
as borbulhas úmidas do chão de terra
onde o tempo deposita cada folha
num abraço outonal afetivo
no ciclo das quatro estações

alheio aos alardes acachapantes
dos que propagam flores de plástico
emblemático e precioso resplendor
na contramão da nespereira florida


02

… poalha perfumada se espalha
na atmosfera,
inumeráveis insectos embriagados
zumbindo em afazeres continuados,
levando pólenes, recanto da terra,
originando tais resultados,
poisando nas rosas que se erguem nos pedúnculos,
receptáculos sedosos das pétalas que têm,
gotículas minúsculas, dispersas, compostas,
pequenos cristais brilhando, crepúsculos,
arrumadas, abertas em chama,
cor que canta, beleza que clama
sente-se o borbulhar da seiva que ascende
do solo, a humidade que vem,
naquele vale sombrio, coberto de musgo,
ligeiro lusco-fusco,

parpadeante nas costas do Outono,
plantas que robustecem
ao longo do dia,
perfeita harmonia,
seus ramos são galhos fortalecidos,
herbáceos viçosos, escorreitos até,
mantendo-as de pé,
milagre tão belo,
se apaga num dado instante,
renuncia do que foram, loucura, capelo,
período mais degradante,

descaem-lhes cabeças, recolhem desvelos,
resguardam segredos,
respeitam, sentem medo,
fecham-se um pouco na seiva que passa
lhes chega o sossego,
borbulham mansinho
seguindo caminho,
perdendo seu viço, desmaiando, sem graça,
na noite que cai,

sorrindo, adormeço,
aguardo, ansioso, retorno da cor,
num raio de Sol, energia, vigor,
consumação, enfeite, reinício, alvor!!!...


03

acordes imprevisíveis, como um jazz,
pairam sobre ponte que se sustém
sobre o abismo do esquecimento

não há memória de solidão na flor do outono

escorre a seiva, magma dos sentidos,
e se adere à pele branca do meu corpo
novo de fruto

no tempo perdido dos dias em branco
ficou a pele ressequida, comprometida
com o medo do brado dengoso das folhas

canto de sereia a disputar as noites idas,
ruído enganchado num passado que maldigo


04

Sons...
esses perdidos.
Escondem solidões com ruídos.
Desejos com gritos
E gritos com as seivas dos corpos,
Malditos!
Quero só o silêncio sem sentido.
Calado e quieto
Como uma nesga de céu
Embrulhado numa asa
em cima dum ramo dormindo.
Ouvem a escuridão que digo?
Não é preciso.
A solidão contenta-se com os acordes
de nenhum som ter conseguido.


05

Há um grito imanente.
que jorra insubmisso
em cada corpo e acorde
borbulha o compromisso
uma seiva tangente
que indiferente morde

não morre se sente


06

ao ressoar meus passos
nos cantos nesta selva de concreto
ouço teu canto como salvação a minha pele ressequida
sobre os esquecimentos do tempo a roçar a ferida

calço o sapato do infortúnio
busco a flor que dos teus olhos
me darás descanso repouso e guarida
a "esta seiva que borbulha a cada acorde"
de seu canto, minha doce amiga querida


07

Em cada pensamento em gestação
em cada poema em formação
buscas linguagem, na chocadeira
traçando planos para a vida inteira
e o poema depois de gerado
traz um destino temperado e
depois que o poeta se recolhe
a seiva borbulha em cada acorde


08

há um aroma de frutas no cálice aberto
da flor no outono e há a palavra branca
que no meu poema sorri, a cada acorde
da umidade

jorro insubmisso à revelação impossível
as sílabas rodopiam, folhas

lábios felizes, ardentes, a murmurar


09

uma flor de outono na boca branca
branca a flor, branco o outono
em todas as cores da seiva branca
meu branco de palavras, palavra
pedra, palavra flor, nu e pobre



Índice de autores:

01 – Rogério Santos
02 – Manuel Xarepe
03 – Sónia Regina
04 – Carlos Luanda
05 – Lmc
06 – Osvaldo Pastorelli
07 – JASilva
08 – Sónia Regina
09 – José Gil