Lançamento da Antologia Poética "Amante das Leituras"

Para comentar: clicar em view all images.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Antologia de Natal Edium 2007

Participantes na antologia:

Albano Chaves, Natal
Alves Bento Belisário, Já bate à porta, dia de festa
Ana Maria Costa, Natal: alegrias e aletrias
Andityas Soares de Moura, Poema para ser lido na ceia de Natal
André Veríssimo, O Granito e o Vidro
António Durval, Presépio
António Mendes, Ao Homem
Bernardete Costa, O Presépio
Camilo Almeida, Um Natal imprevisto
Carlos Luanda, Noite de Natal
Conceição Paulino, Natal
Daniel Gaspar, Natal 81
Elvira Castanheira, É Natal quando…
Ercília Freitas, Uma moedinha, que é Natal
Eunícia Salgadinho, Um Pai Natal que se chamava João
Francisco Coimbra, Natal
Gilberto Russa, Silêncios da noite… Felicidade do dia
Jorge Monteiro, O Natal: A Promessa cumprida por Deus
Joaquim Evangelista, Nascimento de Jesus
Jorge Casimiro, Devia ser Natal
José Félix, carta para o pai natal
José Gomes, O Quarto Rei Mago
José Salgadinho, O acerto de contas
Maria Emília Costa Moreira, Natal a Duas Vozes
Maria Fernanda Guedes de Amorim, Um Sonho de Natal…
Maria João Coimbra, O Natal dos Animais
Maria Mamede, Uma Estrela
Maria Rita Romão, Noite sem luar
Palucha Hipólito Perdigão, Conto Natalino
Paula Carvalheiro, Azevinho
Paulo Themudo, O Anunciar da Estrela
Teresa Gonçalves, Em asas de amor…
Vera Carvalho, Que nasça um filho de Deus todos os dias
Xavier Zarco, Prenda

"Nascido tarde" de Ana Maria Costa

Editora Edium Editores

sábado, 10 de novembro de 2007

Amizade

AMIZADES - este é um pedido do coração - A SOLIDARIEDADE EM ACÇAO E A LITERATURA EM CIRCULAÇÃO

A EDIUM EDITORES, http://ediumeditores.blogspot.com/

com cerca de 80 títulos publicados, prestes a fazer dois anos que iniciou sua actividade, vai editar um livro meu, prosa, «Salvador, o Homem e Textos InConSequentes».
É uma editora pequena, mas esforçada na divulgação da cultura.
Tem publicado autores não muito conhecidos e jovens autores, o que, à partida não garante grandes receitas, ora sendo o objectivo maior a divulgação da literatura tem na mesma que ser rentável senão ...morre .

Asim o seu proprietário, agente directo em todas as fases do processo, pretende promover a venda on-line, no futuro.
Para já, para garantir a cobertura dos custos, ensaiou esta modalidade que vos proponho:

Quem quiser pode (POR FAVOR LEIAM E RESERVEM SEM PROTELAR SENÃO ESQUECEM) fazer uma pré-reserva do número de livros que se propõe adquirir, para:
ediumeditores@gmail.com
Valor da capa: 10,00€/livro
Nº de pág. + ou - 80
Serão convidadas/os,via email e moradas, os que detenho, para apresentação do livro no início de Dezembro.
Quem fizer pré-reserva e pagar por cheque ou transferência bancária (acordar com o Editor- ver site acima referido) fica isento d os custos dos CTT OS QUAIS , COMO SABEM, SÃO BEM GRAVOSOS.

Agradeço que quando fizerem as vossas pré-reservas (muitas) - lembrem-se das prendinhas de Natal - ao enviarem o email ao editor me enviem o mesmo email em:c.c.
Fazemos trabalho conjunto.
« S inopse: de «Salvador, o Homem e Textos InConSequentes»

O livro pode ser decomposto em duas partes, das quais,«Salvador, o Homem» abrange cerca de um terço.
Mais próximo da novela do que do conto relata a experiência de Salvador ao descobrir o fantást ico que a vida encerra e que o mundo é muito mais do que o que vemos no dia a dia, assim como nele, enquanto ser humano,existem dimensões inexploradas, até ignoradas que ao descobrir e as integrar no seu todo alteram sua vida e de todos ao seu redor.

Os textos restantes enquadram-se mais no conceito americano de short-stories e diversificam o leque de leitura de uma forma que cremos será de vosso agrado e que o próprio título vos permite intuir a existência d nexos, aparentemente inexistentes.»

Minhas e meus amigos, nesta hora de "parir" mais uma cria conto convosco.

Desejo uma boa semana e P.F. divulguem esta informação pelos vossos contactos pois poderá haver pessoas eventualmente interessadas.

Bj

Luz e paz em vosso caminhar e ao vosso redor

Conceição Paulino

terça-feira, 6 de novembro de 2007

"Cresço em maré, quando mergulhas em mim",

( Foto: Autor desconhecido)

de Carlos Luanda, in " O Mar"







01

Quando vens mar,
rio.
Quando vens córrego,
sigo.
Se és regato,
canto.
Quando és Atlântico-
ó força espantosa
que escora meu cio,
meus anseios,
orgasmos
e desvarios -
“cresço em maré
quando mergulhas
em mim”.


02

Recebo-te de braços abertos
para que me possuas
sobre as rochas
plantadas sob meus pés.

Vens assim,
agitado espumante
pigmentas minh'alma
e sentes meu gosto
de destino

Envolves-me em tuas águas
festejando o encontro ritmado
Dos braços – toques, das pernas – abraços
da pele dos poros – arrepios

Vens, cresço em maré,
ao receber-te em mim
mar, mar atlântico!


03

Altivo e voluntarioso. é
fogueira que alimenta
o fogo: assim, ao pé,
mesmo por essa mão;
que acariciando
promessas suaviza,
desliza. cede a seda,
desnudando contornos,
perante os flamantes olhos
faiscantes, sentidos ocultos
de esguios, corpos unos
aturdidos instantes


04

cresce a maré e o vento do mar
corre a linha do rego da areia
grão a grão
no mergulho segredo sabor marinho
verde azul branco sopro espuma
saciando o silêncio desejo
que conserva em si de a possuir
e ela bebe...beija...bebe
a salgada aventura de o sentir


05

Na ponta de uma corda
que construo com as flores,
em dança noturna
eu te desenho

e, numa estratégia da água
da alma, te deixo entrar.

Minha pele abre-se em aves,
quando mergulho em ti;

cresces, em maré,
danças comigo o poema

até que as mãos toquem
o chão. E sejam.

E agarrem a vida em forma de areia.



Índice de autores:

01 – Maria Limeira
02 – Andréa Motta
03 – Luís Monteiro da Cunha
04 – Ísis
05 – Sónia Regina

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

"Pequenas luzes absorviam o que restava da escuridão"

(Foto: autor desconhecido)

de Paulo Themudo, in "Os olhos espelham"



01

Ah, como é chegado o momento
sem tempo de mais ser do
que o silêncio puro,
envolto de nudez
no seu manto de dedos,
nascentes de rios
correndo lábios de céus.
Ah! Silêncio que explodes
em mil e mais cores
nas gotas suadas,
numas peles que já só sentem
que eternidade não é o tempo.
É o infinito no momento
que se incendeia por dentro
e renova de luzes
o fogo do firmamento...

02

tal qual vela
silenciosa
roubadora de silêncios
e da pouca claridade que ainda resta
ali
num canto do coração
como se a se esgueirar
de fino
pela fresta

e ainda [na penumbra]
executar canção


03

a)
somos olhos fechados dançando
num abraço embalado
na música

com o teu aroma
e meu amor

imaginei este poema assim

b)

os teus braços rodearam-me
ergui-te pela cintura
para um beijo

com o nosso amor
e foi romã

esse sabor de lábios-frutos

c)

escorre aqui um sabor bom
do que a imaginação
dá da memória

com o seu poder
e arte sã

nu nó onde nós nus somos

d)

vendo o universo luzente
absorver as luzes
e restar...

da escuridão
a noite

com o calor tépido abraço

e)

numa dança para encher
o próprio destino
bailo ainda

o que se pode dizer
com o corpo

transportado às palavras


04

o meu corpo parecia perdido
que luzes eram sois
pequenos nos meus olhos.

05

amanhecia, no mais longe
onde a vista alcançava

de lá, pouco a pouco,
iam se aproximando
os contornos

a relação entre as coisas
estava prestes a acontecer:

"pequenas luzes absorviam
o que restava da escuridão"

06

Por um tule tecido de evidências
encerra-se a fronteira da vontade,
o desejo, absorvido de oportunidade,
escorre da fronteira desse ínfimo espaço,
que medeia a transparência, de ser
não estar, não se ver, adivinhar,
querer, sempre adiado, o abraço

apesar de continuar na escuridão.
as formas são deleites, absorvem
a explosão dos luzeiros que fenecem

por puro prazer.

acontecer é o gesto adiado,
frenético e febril.
uma luz a explodir
na antevisão do que escurece

ah! delicioso tormento
apetece antecipar:
aparece, desaparece,
­ – não parece – é… movimento!



Índice de autores:

01 – Carlos Luanda
02 – Eliana Mora
03 – Assim
04 – Ana Maria Costa
05 – Sónia Regina
06 – Luís Monteiro da Cunha

terça-feira, 23 de outubro de 2007

O Alfabeto dos Animais,

por Maria João Oliveira

Sofia conhece o "alfabeto" dos animais desde a sua infância. Decifra com mestria as palavras de amor que eles escrevem em código. Sabe que eles também possuem inteligência e sentimentos.
- O que é que tu tens, Sofia? Esse meu cão tem mau génio, ninguém se pode aproximar dele e só por especial favor, aceita uma carícia minha. Não te conhecia, mas abana o rabo, corre para ti, mete a cabeça nas tuas mãos, deita-se a teus pés! O que é isso? O que se passa?!...
- Não sei, Carlos. Olho-os nos olhos com todo o amor que sinto por eles. Só isso.
- Pois é – murmura o amigo, emocionado –, está aí o segredo.
Naquele momento, Carlos sentiu-se mais pequeno que um grão de areia, perante os olhos rasos de lágrimas da sua amiga.
Sofia trava, desde criança, uma luta titânica contra a indiferença e a falta de sentimentos. E como os monstros são incansáveis, o sofrimento dos animais não tem férias. Por isso, ela se gasta, há muitos anos, sem medir nem calcular, num tormento quotidiano, a matar a fome, a tratar feridas e pernas fracturadas de cães, gatos, pombas, etc., vítimas de maus tratos de toda a espécie. Sofre também com o drama dos animais de "estimação", mas a sua dor raramente consegue atravessar a dureza do granito, a não ser quando recorre aos organismos de protecção dos animais. Contudo, estes também já estão exaustos e sentem-se impotentes, sobretudo perante milhares de cães e de gatos, abandonados nas férias, pelos seus próprios donos e que acabam por ser abatidos nos canis municipais.
- Quantos deles – pensa Sofia – ofereceram calor e conforto, durante todo o ano, aos seus donos, quando eles chegavam a casa, cansados, deprimidos, irritadiços… A comovente alegria dos animais, naqueles momentos, merecia um hino.
E pensava também num lindo gato branco, peludo, cheio de charme, de expressão angélica, que se esquecia da cauda e dos ramos das árvores em que se baloiçava, mal via os donos chegar a casa. Corria ao encontro deles, com aquele ternurento miar de boas-vindas, os olhos dourados a brilhar muito, o coração prontinho para dar e receber… Chamava-se Sião.
Algum tempo depois, Sofia encontra-o, sem vida, junto de um contentor de lixo. Tinha sido apedrejado até à morte, numa bela tarde de verão, enquanto os donos saboreavam gelados e tomavam banhos de mar.
Por vezes, a alegria de estar com os amigos arrefece dentro dela, em redor de uma mesa festiva. Não é fácil assistir ao entusiasmo das pessoas, perante o sabor da "bela chanfana" ou do leitão assado, com a boca aflitivamente aberta e uma laranja entre os dentes. Lembra-se do artigo 13º ("O animal morto deve ser tratado com respeito"), da Declaração Universal dos Direitos do Animal. A dor e a angústia que o animal sofreu são bem visíveis, mas só ela se apercebe disso. E o odor que ele exala excita as pessoas que acabam por esquartejá-lo com insuportável prazer. Sofia olha os amigos em silêncio, come uma batata frita para disfarçar e sai discretamente para o jardim.
Por vezes, fica exausta e sente necessidade de ser como os outros, de soltar o grito do Ipiranga, de adormecer no rio do esquecimento… No entanto, como ave da esperança, ela continua a semear nos seus alunos a compaixão, a ternura, o amanhecer de um tempo novo. E fala-lhes do autor de "O paraíso dos animais", o poeta basco Francis Jammes , porque ninguém como ele se compadeceu tanto do seu sofrimento. Ninguém como ele nos faz estremecer ao falar da "luz profunda e suavemente triste que existe no olhar dos animais", ao lembrar os dromedários apertados como sardinhas enlatadas, numa barraca de feira, os frangos transformados em prémios de rifas e arrastados loucamente por uma roda, em constante movimento, com um leitão apavorado no meio, o vitelo "para engorda", separado da mãe, uma semana depois de nascer, encerrado num caixão às escuras e submetido a monstruosas torturas, para engordar mais de um quilo por dia …
Quase no fim do ano lectivo, os alunos do 11º ano apresentaram uma dissertação sobre experiências médicas com animais, em todo o mundo. Ao ler a dissertação do Telmo Raimundo, Sofia chorou. Tentando extirpar o cancro da indiferença, ele procurou levar os seus potenciais leitores a pensar, a sentir, a agir… E falou das cordas vocais cortadas a cães submetidos a experiências, para deixarem de ouvir os seus ganidos, apontou o dedo às universidades onde se corta a cabeça a animais, se abre o seu tórax e se lhes retira o sangue até à paragem cardíaca. E não esqueceu o Método Draize que introduz no estômago de cães e de roedores produtos de limpeza, pesticidas, cosméticos, até ao seu rompimento, que imobiliza coelhos conscientes e os impossibilita de fechar os olhos com substâncias que provocam infecções, hemorragias, cegueira. Raspam também os pêlos dos animais, retiram camadas de pele e colocam substâncias corrosivas sobre a carne viva. E o Telmo falou também dos métodos alternativos à utilização de animais em pesquisas, que já vão sendo postos em prática, embora se verifique ainda uma grande falta de sensibilidade por parte de alguns cientistas. Dizia ainda o Telmo que a actividade científica não pode estar acima das questões éticas. E citava Mia Couto, escritor que muito admira: " O mundo é uma pegajosa teia, onde uns são presas e outros predadores".
Nos jornais da sua cidade, Sofia tenta salvar a dor dos animais, da indiferença e do esquecimento. E fala dos que estão ameaçados de extinção, dos touros ensanguentados na arena, dos que sofrem nas mãos dos seus próprios donos, dos agricultores, dos cientistas, dos caçadores de peles que matam focas à paulada, das crias que são esfoladas vivas e se arrastam num choro pungente…
Sofia chama também a atenção para o sofrimento das pombas da cidade que aparecem no seu terraço com as patas fracturadas e os dedos dilacerados por armadilhas, ou vítimas de venenos que lhes roubam o sentido de orientação e a coordenação dos movimentos. Tentam desesperadamente voar, mas embatem nos edifícios e caem no chão, onde ficam, durante muitos dias, a debater-se até à morte.
Num dos jornais que Sofia assina, uma responsável da "SOS Animal"denunciou: "A perversidade humana não tem fim. (…) Os animais são espancados com paus, enrolados em arame farpado, atirados de pontes, afogados, queimados, mutilados para rituais satânicos e até vítimas de abuso sexual."
Por tudo isto, Sofia afirma que, para se divertir ou em nome da ciência, da economia e do espectáculo, o homem trata estes seres indefesos com ilimitada crueldade. Está a anos-luz da ética do antigo Egipto, por exemplo, que fomentava a responsabilidade para com os animais. Toda a falta de respeito era considerada como pecado. Sofia não esquece uma inscrição numa pirâmide que justificava o falecido rei "(…) Não existe qualquer queixa contra Fulano por parte de um ganso / Não existe qualquer queixa contra Fulano por parte de uma vaca" (o ganso e a vaca eram os representantes do reino animal).
Ao pensar no poeta basco Francis Jammes, Sofia sente que o seu fardo se torna mais leve. E a sua gratidão é orvalho sobre aquela longa noite de pesadelo. A dor que ele sentia perante um animal maltratado era tão parecida com a sua!… Já fazem parte de si estas palavras que o poeta , um dia, proferiu: "(…) Se não fosse o respeito humano, eu ter-me-ia ajoelhado perante tanta paciência e tantas torturas (…)".
Um dia, Francis Jammes convidou todos os poetas a acolher os animais torturados no seu coração. Franz Werfel escutou o seu apelo. Por isso, Sofia devora a sua "Ode aos animais sofredores", como quem devora um fruto maduro depois de uma fome de séculos. Continua a pedir aos seus alunos que acolham todos os animais torturados no seu coração. E, aos poucos, eles vão aprendendo a descodificar o maravilhoso "alfabeto" dos animais.

domingo, 23 de setembro de 2007

Corrente de amizade

Agradeço ao blog "Moendocafé" pela divulgação do meu blog, conduzindo esta corrente de amizade para mais e mais amigos.

A corrente da amizade tem por objectivo promover a solidariedade e o convívio entre blogues.

A vozquenaosecala faz as seguinte nomeações:

Moendocafé de Ninho de Cucos

A pedra e a fala de Bosco Sobreira

Barcos e flores de Amélia Pais

A tradução da memória de Alice Campos

onelightpublishing de Alexandra Oliveria e Joseph Sherman

Diário Poético de Constatino Alves

A Teia da Aranha de José Félix

Xavierzarco de Xavier Zarco

Perigosos contactos de Mónica Correia

Cisno negro de Zénite

Cada um dos nomeados deverá nomear outros 10 numa postagem , idêntica a esta, onde colocará a imagem aqui representada.

muitos jinhos

"De alegria, de ternura, de compaixão. Dá vontade de enlouquecer."

de, Virgílio Ferreira, in "Pensar"


01

também vim do caos, noite.
não fermentava, a cor,
esquecida do tempo;
a luz, nada inaugurava

a não ser o poema, tudo passa

na alegria, na ternura,
o dia não é a realidade
olhada com o pensamento

por isso não existes, resides
ou te inventas. eu, tampouco.
somos palavras frescas,
recém-escritas, soltas,
livres de compaixão

as que palpitam, sem qualquer
entendimento. no papel,
a vontade de enlouquecer


02

Uma só palavra ascende o espírito
Perante a lascívia que corrói o corpo
Perante a devassa deste mundo
A imaginação é o berço da viajem
Efémera razão que combustiona
A evasão do tumulto se encerra
– Nem que seja por um segundo –
a dor do amor da guerra e do prazer
da volátil alegria de ternura emergente
onde toda a compaixão dá vontade
apenas de enlouquecer sem pensar
sem pensar como Virgílio derradeiro
viver apenas e só o momento único
sem futuro em que investir o segundo
resta o primeiro espírito ou fracção


03

Dizem-me que sou feito só de tripa,
o que nelas me iguala ao animal,
que a alma em lodo toda se dissipa
quando chegar a recta em seu final.

Renego a excomunhão de ser de cal
quando em cinza, apagada condição,
me embrulharem nas folhas de um jornal
e me espalharem no correr de um chão.

O Homem ainda é a besta alcantilada
que no alto degrau da criação
rasteja em vão em jaula amuralhada…

Mas ainda há luz no fundo da matéria
para levar o bater do coração
a transcender o pó desta miséria!…


04

... o melhor que temos,
distingue,
na representação que nos concerne,
papel que nos foi entregue
por quem nos dotou de verve,
trejeito apropriado
para cada local, momento,
usando, com discernimento,
quando cordatos do que fazemos,
variados sentimentos,

manifestos irreprimíveis,
sonantes, espalhafatosos,
não audíveis, maravilhosos,
confortos que nos consolam,
nos enobrecem,
assolam,
consoante ruínas que fazem
desgastes,
quando desfazem,

dualidade que enlouquece,
alegria desmedida,
tristeza de qualquer vida,
ternura que dura,
perdura,
compaixão de quem muito sofre,
pitadas que nos deram
guardadas,
como num cofre,

cerradas a sete chaves,
como cafres ciosos que esperam
por muito mais do que têm,
avaros,
sem entraves,
olhando para ninguém,
eremitas assumidos,
pretensos,
quando enormes, quando imensos,
incapazes de rir, chorar, gemer,
muralhas de aço, perante
gemidos,
dando, fazendo sofrer,
ignorando o degradante,

doce afago se sente,
sorriso que aflora,
lágrima que desliza,
chora,
tremura que nos embala,
colo que alberga o Mundo
refúgio de tanta gente,
dor tamanha que esmaga,
compreensão que aglutina,
não dispersa,
fome que escandaliza,
riqueza que se desbarata,
prodigaliza,
inferno provocado pelo homem
horror que mata,
almas que se apagam,
somem,
quando disparam,
maltratam,

súmula que me compõe,
alegria de quem se isola,
imaginação que tudo apaga,
loucura de quem procura
enclave miraculoso,
recanto maravilha,
num oceano, uma ilha
em que habito, em que ouso,
refugio do que me envergonha,
longe do malévolo,
peçonha,
busca da felicidade eterna
que comove,
tão terna,
que me une, me move!!!...


05

repartem-se sentimentos
cantando distâncias
em lúcida loucura...
dividem-se sentimentos
algemando-se ângulos
em cavalos de fortuna...

e a/deus ternura...crivada de medos em estrelas puras.
e a/deus paixão... turbilhão emoção em puro algodão.
e compro_metida alegria todos te esperam no dia a dia.


06

O caos a que me entrego
me renega.
A dor em que navego
aflige e cega.
Mas tudo se desfaz
em alegria
quando coração
vai pra frente,
volta atrás
e ternura,
mais que apenas dor,
inscreve-se com-paixão.

Para mim, loucura é isto.
Criar a partir do caos.
Ser feliz na dor.
Ter coração.
Gritar até o último momento
(Ah! Eu protesto! Protesto!)
quando vencem os maus.


07

enlouqueço de prazer
quando dás o corpo

e morremos
de prazer

na perfeição
de_ter a poesia feita...




Índice de autores:

01 – Sónia Regina
02 – Luís Monteiro da Cunha
03 – José Dias Egipto
04 – Manuel Xarepe
05 – Ísis
06 – Maria José Limeira
07 – Francisco Coimbra

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Mulher da Vida



(Foto: autor desconhecido)

Levanta mulher da vida
Tá na hora do trabalho
Hora de voltar pra lida
De quem rala pra caralho

Te acusam de vida fácil
Falam mal do teu ofício
Fonte de prazer portátil
Que abastece todo vício

Quem te vê rodar bolsinha
Na rua da Meretriz
Duvido que adivinha
Do que escapou por um triz

Porque te perseguem mais
Do que à tua perseguida
Cafetão sempre quer mais
Policia cobra a batida

Navalha na carne dói
Por isso não beija a boca
O preconceito corrói
Contudo, lhe tira a roupa

Te xingam de vagabunda
Mulher perdida, rameira!
Quem não olha a própria bunda
Quer te botar na cadeia

Mulher que dá sem vontade
Te iguala na profissão
Quem dá por necessidade
Não entra em contradição

Se fosse universitária
Ou garota de programa
Já não seria gentalha
E muito menos piranha

Fosse dona de bordéu
Não daria a tua buceta
Não viverias ao léu
Mendigando por gorjeta

Seria até respeitado
O teu estabelecimento
Não venderia fiado
Nem faria abatimento

Políticos e juízes
Comeriam na tua mão
Não haveriam deslizes
E nem ordem de prisão

Mas quem milita na zona
Pelo pão de cada dia
Só usa roupa cafona
E não goza regalia

Se a nossa sociedade
Não fosse tão desumana
Riria da falsidade
Não te poria na lama

Mas quem come a tua carne
Cospe o prato em que comeu
E depois não faz alarde
Nem conta que te fodeu

Vai chegando sorrateiro
Olhando sempre pro lado
Paga a conta do puteiro
E sai de lá abaixado

Vaca, Vadia. Biscate
Michê, Quenga, Pistoleira
Vigarista, Vadia, Puta...

Mulher à-toa?...

Qual o quê!

De todos os apelidos
Que pintam voce tão feia
O melhor que tenho lido
É o que te chama guerreira

Quer saber?...

Se durou mais de mil anos
E é a profissão mais antiga
Peço licença aos arcanjos
Vida longa às raparigas!

Denilson Neves

Entrevista a Sónia Regina*

por Vera Carvalho e Carlos Luanda

1.Sonia Regina, quando e como despertou o seu interesse pela poesia?

Sonia Regina - A minha avó portuguesa me recitava inúmeras vezes a Nau Catarineta, eu adorava ouvir aquela história contada em versos e "via", junto com o gaijeiro, as "terras de Espanha, areias de Portugal!". Ela escrevia quadrinhas, me convocava para ver a forma nas nuvens, as folhas balançando ao vento. Minha mãe adora a natureza e fica embevecida com a beleza que há em cada coisa: o movimento do mar, a cor da grama e o cheiro da terra depois da chuva, o pôr-do-sol, as nuvens na montanha, a névoa na serra. Sempre nos chamou a percebê-la – a mim e ao meu irmão. Acho que foi assim que elas me despertaram a imaginação, cultivaram a minha sensibilidade e o interesse pela poesia – dita, escrita, vivida em cada coisa - , quando eu era criança. Mas ler poesia mais amiúde, procurar conhecer os poetas do mundo, das várias épocas, e escrever poemas, foi a partir de um projeto de poesia que desenvolvi com crianças de dez anos, em 1999. Fui procurá-los para apresentar a eles, incentivei-os a escrever. Eles criaram, e eu junto. Não parei mais.

2. Como escritora e psicanalista é possível fazer-nos uma análise da sua relação com aquilo que escreve?

Sonia Regina
- É complicado a gente analisar uma relação nossa. Nem sei se, ainda que tentasse, não resultaria num apanhado de inferências, suposições. Mas posso dizer do que percebo, do que sinto.
Gostava de inventar peças de teatro – que encenava com os amigos -, quando era criança. Contos de fadas, princesas em vestidos esvoaçantes, histórias de amor.
Escrever sempre foi uma necessidade. Dos desabafos adolescentes passei a escrever crónicas e algumas narrativas em 1ª pessoa, ou em 3ª pessoa. Não me agrada criar personagens ou escrever diálogos, acho que por isso nunca escrevi um conto, ou um romance.
Sempre escrevi por prazer, escrevo quando tenho vontade. As listas me ajudam a dar um ritmo, mas não me obrigo. Passei um período ultimamente em que precisava escrever todo dia. Às vezes dois poemas por dia. Mas não penso sobre isso, escrevo e pronto.
O que não gosto, jogo logo fora. Só dou título se acho que o poema é bom – ou razoável - e não tenho escrito prosa, a não ser alguns ensaios, de estudo.
Não costumo ficar relendo o que escrevi, embora eu o faça quando visito o Espaço Aberto do Joaquim Evônio e o meu blog: acho-os bonitos, estar por ali é relaxante.
Na prosa eu penso, pra escrever, na poesia não. Não escrevo mandando recados, nem em poemas do amor eu o faço. Tampouco escolho um tema. O poema acontece em mim, às vezes a partir de uma frase que escute ou leia. Às vezes de uma palavra, às vezes de uma imagem. Anoto em qualquer papel e já tive um caderninho dentro da bolsa, o "Dolores Duran"(é o nome de uma antiga poeta-letrista, famosa por aqui – que tinha um) para ir anotando coisas que me surgiam. Já aconteceu de eu acordar no meio da noite com um poema pronto dentro da cabeça. Se não levanto pra escrever, depois esqueço. Não acho que seja um transe, como se achava dos poetas da antiguidade. Acho que é uma vocação, talvez um dom. Um mistério. É uma voz íntima que quer dizer o que nem sempre conheço – ou reconheço. E eu deixo-a falar.

3. Qual a sua intenção ao criar o conceito "Laboratório da Palavra" e por conseguinte a revista digital?

Sonia Regina - O conceito foi formulado a posteriori. Nos laboratórios da palavra trabalha-se com a palavra e a imagem, são oficinas de escrita criativa. Verifiquei que se consegue expressar muito dos sentimentos alocados na carne e na alma, alinhavados ou tangentes, utilizando a imagem. Ela incentiva e ajuda na composição, quando a palavra é insuficiente. Na revista digital divulgamos essas expressões publicando os novos autores e a expressão universal, esta através da poesia de autores de vários países. Nos laboratórios da palavra trabalha-se com o mistério, a paixão, o amor, o ser, tudo... e nada.

4. Na "Laboratório da Palavra" e no "No fluir da metonímia", há uma união entre o áudio visual e a literatura. Você acha que há a necessidade de usar outros recursos além da linguagem verbal para fazer poesia?

Sonia Regina - Não, não acho necessário. É que tento ir além da palavra. Nem sempre a palavra diz do que quero expressar e a imagem ajuda a compor. É como diz a Clarice Lispector, a música e a pintura têm mais possibilidades de criar os seus elementos. Pode-se criar um pigmento de um tom ou cor inexistente; uma suite, uma rapsódia, um arranjo jazzístico. A literatura tem palavras pré-existentes.

5. Colaboradora em workshops e palestras no Brasil, Sonia, qual a sua visão de "Escrita Terapêutica"?

Sonia Regina - Terapêutica, não psicoterápica. Não é um objetivo nem uma questão de catarse, de despejar algum acúmulo emocional, embora no consultório – com ajuda de um psicoterapeuta menos ortodoxo - se possa usar a escrita como meio auxiliar, mesmo Freud relata casos assim. A escrita terapêutica à que me refiro diz respeito ao resultado da escrita: no depois se verifica que fez fluir algo que estava intimamente obstruído. O escrever organiza. Uma vez dita, a coisa se inscreve, se significa e re-significa, ganha corpo e expressão concreta. Penso que através da escrita alguns `nós' interiores podem ser desatados, ou elaborados.

6. Sonia, ao ler-te tenho sempre a sensação de sentir-te as construções das palavras como elementos de delicadas filigranas. Peças que dizem tudo pela arte de capturar os espaços através da nobreza que os emoldura em estruturas de elegância e que lhes confere luz, brilho e volume. Nunca tens a sensação que um poema possa implodir sob a sua aparente fragilidade, ou é mesmo esse desafio uma das tuas motivações?

Sonia Regina - Respondo não às duas. Meus poemas não são contidos por mim. Sei que sou vulcânica, mas entro em erupção normalmente. Ou seja, tudo meu é intenso – sou alegre, triste, amo, odeio, me deslumbro com as coisas, tudo intensamente - e penso que isso se reflita nos meus poemas. Se alguns são doces, é porque sou mesmo meiga e afetuosa. Minha delicadeza não vem de uma fragilidade e sim de uma gentileza que me agrada. Não sou rude, a não ser que me invadam, façam alguma injustiça ou maltratem quem eu gosto: aí fico irada e sei que minha palavra fere intencionalmente, mesmo os mais fortes. Mas com leveza, sem ironia ou rispidez. Há alguns poemas que escrevi assim.
O que me desafia são as causas dadas como perdidas, algumas vejo refletidas nos poemas. E o que me motiva é a paixão: tenho que estar apaixonada sempre, ou por alguém ou por uma idéia, ou por uma atividade – profissional ou não. Às vezes se reflete nos poemas, às vezes não.
Na verdade, é o poema que me respira e eu...Bem, acho que esta foi a melhor descrição que já fizeram de mim: "Poeta por vocação, psicanalista por paixão, mãe por amor, mulher do mundo por missão, artista por mistério…"

7. Se por mera hipótese nos víssemos de repente a viver num mundo sem o conceito de poesia, como pensas que seria encarado alguém cujo olhar a inventasse?
Sonia Regina - Olha, ontem mesmo uma pessoa com quem conversava, ao saber que eu era psicóloga, disse (sorrindo) que todo `psi' é doido. Quando eu disse que era poeta, aí é que riu mesmo. Não acredito que houvesse mudança, penso que a história se repetiria. O poeta é mesmo estranho, às vezes é um bom espelho, às vezes incômodo. Geralmente produz perplexidade, estranheza. É desconhecido e enigmático. Tem um olhar diferente, por vezes contacta o Belo e geralmente toca os corações. Só que na antiguidade o poeta era visto como o que acessava o passado, escrevia em transe a partir do contato com os deuses. Tinha tanto respeito e valor quanto os oráculos, que acessavam o futuro.

8. Achas que ser poeta é um privilégio, uma iluminação, ou é uma predestinação maldita?

Sonia Regina
- Acho que nenhum dos três. Mas penso que já comentei bem acerca disso, anteriormente.

9. Dada a tua formação académica multi-facetada e especializada em áreas complexas do infinito interior humano, e dado que transportamos toda a carga de conhecimentos em tudo o que fazemos, que perigo (ou não) sentes de puderes deixar escorregar o teu dizer poético para o hermetismo?

Sonia Regina
- Acho que todo o perigo, mas não só pela minha formação. Sou uma pessoa comunicativa, simples, faladeira; e ao mesmo tempo tímida – sei que por vezes pareço antipática. Sou reservada por natureza, embora gostem da minha companhia alegre. Sei exercer a autoridade, tenho boa auto-estima, sou completamente independente mas adoro a proteção e o cuidado masculinos. Não sou previsível, acho que sou meio paradoxal. Se eu sou por vezes não-compreendida, como não acontecerá com a escrita? A minha prosa tem poucos fatos, o que a torna, por vezes, hermética. A poesia corre o mesmo risco. Que fazer? Andei dizendo que queria que o açougueiro da esquina se emocionasse com o que escrevo, e andei tentando mudar o jeito de escrever. Deu-se um branco. Tenho que me satisfazer se conseguir chegar ao seu coração, ainda que não entenda uma ou outra palavra, ou não compreenda do que falo. É como diz Herberto Helder:

"Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser. (...)"

10. Olhando para trás, e recapitulando com um olhar crítico mas duma forma genérica, que poemas te arrancaram os pedaços da alma com que os escreveste e que poemas não escreverias?

Sonia Regina - Um em especial me "arrancou pedaços da alma", chamado "Assinatura". E mais três: "Grito" *, "Reforma Agrária" *, "Jardineiro da Vida". Muitos do amor, uns eróticos, mas como referi-los todos? Refiro um que fala do amor por tabela, diz da saudade de certo tato: "Navega o lápis a memória do tato" *.
Não escreveria "quando chovo no mar" – acho-o horrível – nem "o olhar sensível toca o solo, reverso" – não entendo nada do que lá está escrito.

11. Por último, e agradecendo o tempo dispensado, gostaria dumas palavras breves, e como sempre especiais, do teu pensar para todos os colegas e amigos da lista. Obrigado mais uma vez.

Sonia Regina - Agradeço o "como sempre". Esta especialidade – se há e aparece – deve-se à especialidade desta lista, dos companheiros, do clima. Sinto-me completamente à vontade para ser aqui do jeito que sou e sempre tenho a sensação de acolhida, com qualquer humor ou expressão na palavra. Isso é bom. O jeito simples e cordial também me agrada, até o jeito de se discutir: as diferenças são respeitadas. Lamento é não comentar ninguém e me sinto em falta. Mas é um princípio que teria que rever: como não dá pra comentar muitos, não comento nenhum. E os que são lidos ficam sem saber.
Bem, obrigada pela oportunidade e pelo trabalho: percebe-se que houve muito, para me apresentar essas questões magníficas, que me laçaram completamente. Foi um imenso prazer respondê-las, desculpem-me se me estendi. Parabéns aos dois.


* Sonia Regina é o nome literário de Sonia Regina Campos, carioca, escritora, psicanalista e professora. É aluna do Programa de Pós-Graduação em Literatura da UERJ, onde se especializa em Literatura Brasileira. Exerce a psicologia para o Estado do Rio de Janeiro, tendo sido licenciada pela PUC/RJ e pós-graduada pelo Instituto de Psiquiatria/UFRJ.
É a editora responsável pela revista digital Laboratório da Palavra, que fundou há 6 anos, onde divulga a poesia universal e publica novos autores. As atividades de produção e criação de multimídias unidas à literatura lhe propiciaram verificar outra linguagem do subjetivo, que originou o projeto de pesquisa "Habitações Poéticas do Teatro: Cenários e Escrita Dramática".
Tendo criado o conceito "Laboratório da Palavra", coordenou cursos de formação e grupos de estudo e criação de texto que associam a palavra à imagem; proferiu palestras e workshops no Brasil, em Portugal e no Uruguai, onde também apresentou o trabalho "Escrita Terapêutica" - de sua autoria -, no 4º Encuentro Internacional Literario Abrace – Solidariedad entre Creadores.
Em novembro de 2001 foi a Montevidéu – como convidada internacional da Mesa Redonda `Ciclos Literários", do Movimento Abrace – para proferir comunicação científica sobre a investigação que realizava no Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro com pacientes do hospital-dia, na Oficina da Palavra que coordenava. Essas produções originaram o livro Ser poeta é se viver e foram objeto da matéria publicada por Artur Dapieve no Jornal O Globo, disponível no endereço:
http://www.geocities.com/laboratoriodapalavra/COLUNA-DAPIEVE.htm
Foi uma das diretoras do Grupo Cultural Contraponto - produtora de eventos culturais, cursos, sites e revistas virtuais - e co-fundadora da editora Letra&Cia.
Integra os Grupos de criação e discussão literária do YahooGrupos: Amante das Leituras, Netpoema e Encontro de Escritas, em cujas antologias consta.
Lançou em Portugal e no Brasil Uitzilim Poemas e Laços y Lazos - Manual de Escrita Criativa, este em co-autoria.
Apaixonada pela poesia - antes de tudo poeta -, tem seus trabalhos publicados na web nos endereços:
- No fluir da metonímia – Poemas (blog pessoal) http://sregina.zip.net/
- Varanda das Estrelícias - Espaço Aberto http://www.joaquimevonio.com/espaco/sonia_regina/soniaregina.htm
- Mundo do Poeta - www.mundopoeta.net/autores/sonia_regina.htm
- Dubito Ergo Sum – Site Cético de Literatura e Espanto http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/1indfic.htm
-Revista Digital Laboratório da Palavra http://br.groups.yahoo.com/group/laboratoriodapalavra

*grito

Eu, por mim, não dou nada
tomo, pego, arrebato
devolvo cada mau trato
fico é fortalecida
a cada farsa, mentira
cada punhalada cravada
me lança numa jornada
teimosa, vou à batalha
resisto, não quero ser pária
afio minha navalha
encaro toda desdita
transformo a vida diária.

*http://www/.casadobruxo.com.br/poesia/s/reforma.ht

* Navega o lápis a memória do tato

Navega o lápis a memória do tato, estremece
na ponta dos meus dedos, oferece-se ao ato
numa respiração acelerada

ama-me e me despe de toda civilização

sou já poema, versos que ardem
escritura da saudade num papel
sem linha, regra, lei ou margem

Sonia Regina

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Devia ser Natal

Foto: Bruno Espanada


de Jorge Casimiro


Vejo o teu retrato ao piano. Devia ser Natal. A tua mão pousa no recato do teclado enquanto tu posas para o magnésio à la minuta da máquina fotográfica com um olhar vivo de menina feliz. Longos cachos de cabelo encordoado escorrem-te pelos ombros frágeis. E chega-me um som sustenido da memória sépia desse momento longíssimo.

Afasto-me uns passos. Fecho os olhos. E revejo a cena a que nunca assisti. A família reunida em teu redor, como se tu fosses o centro de um pequeno mundo. Suspensos todos do teu talento precoce. Devia ser Natal. Havia ainda presentes por abrir junto à grande boca da chaminé, onde um fogo luminoso consome troncos geométricos com uma voracidade aconchegante. Uma cadeira de baloiço voga lenta em contraluz, tripulada a compasso por uma silhueta esguia e escura.

Ouvem-se palmas carinhosas. Deves ter terminado mais uma peça. Talvez Chopin. Há um faiscar trémulo de velas nos cristais da mesa, posta a preceito para a solenidade ritual de mais uma reunião familiar. Devia ser Natal. Avós, irmãos, pais, tias, primos distantes. Seríssimos senhores de fartos bigodes aristocraticamente retorcidos e encerados. Penteados de risca ao meio esculpidos a rigor e brilhantina. Senhoras assertoadas numa elegância démodée. Crianças aquietadas com severidade para o enquadramento estático da objectiva... Todos aqueles rostos desconhecidos que percorro em velhos álbuns fotográficos herdados já não me recordo de quem. E o cirandar atarefado de um exército de criadas engomadas de folhos de renda branca sobre o negro impecável das fardas. Trazendo e levando terrinas e travessas, pratos e porcelanas. Para que tudo saia perfeito. Devia ser Natal. Para que tudo fique memorável; no registo eterno de mais um retrato de família que sobreviverá a todos, no seu esmaecer lento. Para ser contemplado com uma curiosidade indiferente por perfeitos desconhecidos que virão do futuro. Desconhecidos como eu, que olho o teu retrato ao piano em pose para o passarinho que te trará até mim, sem que tu o saibas ou possas sequer suspeitar. Se não, talvez até me acenasses com essa mão delicada e pálida que pousas no colo com a serenidade afirmativa de quem confia no futuro. Sem te dares conta de que o futuro é tão transitório como tu ou eu, ou este retrato antigo em que os meus olhos tropeçaram por acaso. Porque o acaso é o verdadeiro futuro de todos nós. Um futuro de Natais sucessivos. A engordar compassadamente álbuns e álbuns de retratos com sorrisos e inocências de criança.

E neste meu futuro solitário, ponho um disco a rodar na aparelhagem: um coral qualquer de vozes infantis e piano em fundo. Recosto-me no meu sofá preferido, afundando-me lento de torpor em longas fumaças de cachimbo. Devia ser Natal. Acaricio o teu retrato ao de leve, uma última vez. Com a timidez fugidia de quem devassa um tempo alheio, desbotado. Num gesto sussurrado, cúmplice. Como quem combina um segredo.

Fecho cuidadosamente o álbum no vermelho frágil da capa com vestígios mínimos de letras a ouro, e volto a depositá-lo no fundo da arca onde te encontrei por acaso. E no silêncio da neve lá fora, a embalar a noite com o seu algodão, tu acenas-me suavemente, reveladora. Como quem segreda um futuro.


Ilusão

Quem já pisou a linha do horizonte?
Quem pensa,
iludido na cegueira do sol pôr,
alguma vez ter amado?
O amor é inatingível,
uma quimera escorrendo entre os dedos em areias e ilusão.
Sempre que alguém pense te-lo encontrado,
mesmo se pousado na palma da mão,
não o consuma.
Ele desfaz-se
no pó do nada
de que é feito a nau do desejo à chegada.
Afinal,
apenas a viagem importa
e o amor fica já ali
onde o sol em chamas,
numa linha eterna
dum verso por terminar,
nos chama.

Carlos Luanda


Análise Crítica

Este texto "Ilusão", de Carlos Luanda, é um verdadeiro achado na
internet, oásis onde a gente pousa para matar a sede, num tempo de
aridez e terra calcinada... Aparentemente lugar-comum, porque trata
de "amor" (e este tema já foi explorado a mais não poder por vários
autores - velhos & novos - o texto empresta um novo enfoque ao
assunto....
E vamos encurtar a história:
Trata-se do fugaz, do que antes de ser já era, do que pensa que é
presente e já passou, da "ilusão" de quem sonha alguma coisa, e é
outra completamente diferente porque já se consumiu (se consumou?)
em chamas e agora é cinza.
Vive-se porque se vive.
Ama-se porque se ama.
É um texto Poesia, do primeiro ao quinto, e estamos conversados.
"Bem haja!", como dizem os portugueses.
"Carago!", como bem diz Ana Maria Costa.
"Saludos!", digo eu, ao autor de tão belo poema.

(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de
João Pessoa-PB)

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

"A casa é sempre o lugar certo de peleja",

de José Dias Egipto, in " A Casa"
(Foto: autor desconhecido)


01

Sou dos dias antes das estrelas.
Desses tempos do Nada eterno.
De onde surgiu o fino fermento,
que cozeu no mundo
o forno do Tempo.
E continuo sempre nada.
sem sois ou luas que me invadam
Não viajo, não resido,
não existo, nem me invento.
Não sei o que é um tormento
nem de estar preso em parte alguma
E sendo menos do que a ausência
que se perde no infinito.
É disto mesmo que preciso.
Desta paz dum mal que não sinto.
E onde moro; a minha casa...


02

… encontramos
no íntimo, o que buscamos,
faminto que procura no lixo,
resposta para tanta pergunta que assusta,
aviltação que sinto por isso,
sombra abrangente que obscurece a razão,
temerosa dúvida que se tem,
não busca,

ludibria quem se alheia,
beneficia quem se preocupa,
nisso se ocupa,
inocente que morre na hecatombe,
casa de cada um, peleja constante,
mausoléu que cerra horizonte,
mágoa,
desconforto de quem sente
inquietação,
acomodação do indiferente,
situação degradante,
aberrante,
como manchas que alastram,
escuras, lodosas, espessas,
matéria do ventre da Terra,
líquido maldito, putrefacto,quando se retira,
terra de ninguém, desacato,
desterra,
acondiciona como espécie rara,
energia cumulativa de milénios,
envolvimento soterrado,
enriquecido,
razão primeira, coisa cara,

base que sustenta,
destrói,
constrói
impérios que soçobram perante morte
consentida,
fortuna colossal que amedronta,
lama que se transforma,
situação descomunal que afronta,
nódoa que ostenta, como sorte,
sem destino, como norma,
energia temida,

devastação com que deparamos,
quando olhamos,revoltamos
na sanha que usamos,
quando travamos luta incerta, injusta,
celestial, puro,
causticando vítimas inocentes,
rochedo imponente, bem duro,
enfrentando o que nos assusta,
proveitos,
dispêndios connosco, com outros,
pobres loucos,
matéria infecta,
dinheiros, regalias,
ilusões, fantasias,
obcecações,

sussurros, segredos,
medos,
conluios, conspirações,
degredos,
suspiro de quem se julga longe disso,
inferno a seus pés,
afago sem agasalho,
confissões, plegarias, fés,
resultado da cegueira colectiva,
quando se invectiva,

acirra
na mentira,
degradação que nos transtorna
o juízo,
luta contínua, desigual
entre o bem, o mal,
divina ceia de quem se banqueteia,
negridão que avassala,
escravização de quem se desfeia,
confunde espírito mais daninho
como embriagado por vinho,
empedernido ser translúcido,
pesado, grosso,
rude desgosto
com que me igualo
quando calo,não me insurjo!!!...


03

cada viagem ao berço será
sempre o início do regresso
o retrocesso na peleja dos olhos
travessos como a aragem

cavalgar cada praça no pau
da existência da vassoura
a excomungar uma limpeza
de ideias que não se desejam

caravelas ainda velejam nos rios da infância
correm de novo para os campos sedosos
de tubérculos e caules dos milharais
onde criança erigia-se a casa ruidosa
sob as bandeiras que eram douradas
sobrevoadas por aviões de asas
recortadas nos gritos constantes
dos temerosos animais

O lugar certo
da peleja
habita no coração


04

entre o que sei e o que não digo
ponteiam súbitos de serenidade
entre o que não sei e o que digo
cravam-se abismos de vaidade
fico-me pelo pudor do silêncio
que sufoca a peleja acesa
de bocas soberbas

05

por isso, deixem-me enxergá-la.
deixem-me ver, na minha casa,
tudo que de tão meu ela guarda
porque

"Guardar uma coisa é
olhá-la, fitá-la, mirá-la
por
admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela
iluminado"

(1)(1) António Cícero


06

Em casa sou asa
Em caso que eleja
Peleja e litígio
Inseto de frutas
Quintal de palavras
Sou lavra de larvas
Minhocas, lampejos
Prego percevejos
Ampulheta, paráfrase
Parafuso difuso
Alicate abacate
Sabor enjambrado
Por sal e açúcar
Extraio das sobras
De sombras profusas
A seiva do novo
Reciclo o telhado
Espatifo as viga
e me recolho lenha


07

na segurança do lar
têm lugar as grandes pelejas
servidas pela pele
tendo o corpo por bandeja
saber ao certo...o deserto pelas dunas
correndo o vento
em companhia ao pensamento
porque o que sei
diz-me ser de súbito apenas
o repente a decidir

o que é certo
tendo por errado o contrário
enquanto as palavras...
valem o que vale(m) tudo


08

Diversas pelejas
assumem contornos de luz
quando procuramos no lar
que existe dentro de nós
e deixamos nas noites a voz da pele
para entregarmos às manhãs
o beijo fresco da paz.


09

É em casa que guardo todas as minhas pedras
dentro dos livros de oração.


10

Dentro de velho livro,
rato sorrateiro e teimoso
come e bebe as mais belas
palavras de amor
que escrevi para alguém
que não me quis.

Na casa soturna e abandonada,
esse ratinho treloso
é o momento alegre
da mais triste história
de amor que então vivi...

11

A casa que não tenho
é a casa que desejo
porque a que possuo
nada dela almejo.
investi todo meu amor
na casa que construí,
meu sangue, minha dor
meu suor fiz cair,
mas pretendo outras casas
em estado de construção
para fugir desse marasmo
do dia a dia, pão e pão.
Construirei o palácio dos sonhos
e a vida terá continuação
construirei na verdade
sem alicerce no chão
o palácio para a posteridade.


12

Outra vez a casa…
O tumulo inconfesso
da nossa vida a sós;
o regresso sempre imaginado
ao lado mais uterino de nós…

Outra vez o quarto, a sala,
o cheiro das roupas penduradas,
os lugares da alegria e do pranto;
fragrâncias de momentos do tempo,
carne nossa, partilhada, que jaz em cada canto…

De novo os livros que forram as paredes,
nossos íntimos horizontes,
uma outra pele lisa, amarelecida e calva;
aconchego e luxúria do espírito,
rede, tantas vezes, que nos prende e que nos salva…

Tirem-me tudo da vida que eu aguento!
Mas deixem-me ouvir os sons da casa,
a música e as vozes do meu jardim partilhado.
Porque sem esse unguento de luz e de gente
ficarei cego e gélido mesmo no calor da maior brasa!...




Índice de autores:

01 – Carlos Luanda
02 – Manuel Xarepe
03 – Luís Monteiro da Cunha
04 – Vera Carvalho
05 – Sónia Regina
06 – Rogério Santos
07 – Francisco Coimbra
08 – Ísis
09 – Ana Maria Costa
10 – Maria José Limeira
11 – José António Silva
12 – José Dias Egipto

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

"A seiva borbulha a cada acorde",


de Sónia Regina, in "uma flor no outono"


01

trago dentro de mim, um horto
onde cultivo minhas flores
onde colho meus próprios frutos
onde ouço o canto dos pássaros
onde caminho nos finais de tarde
onde transito pela seiva de acordes
entre tantas e generosas árvores
que abrigam com boas sombras
as borbulhas úmidas do chão de terra
onde o tempo deposita cada folha
num abraço outonal afetivo
no ciclo das quatro estações

alheio aos alardes acachapantes
dos que propagam flores de plástico
emblemático e precioso resplendor
na contramão da nespereira florida


02

… poalha perfumada se espalha
na atmosfera,
inumeráveis insectos embriagados
zumbindo em afazeres continuados,
levando pólenes, recanto da terra,
originando tais resultados,
poisando nas rosas que se erguem nos pedúnculos,
receptáculos sedosos das pétalas que têm,
gotículas minúsculas, dispersas, compostas,
pequenos cristais brilhando, crepúsculos,
arrumadas, abertas em chama,
cor que canta, beleza que clama
sente-se o borbulhar da seiva que ascende
do solo, a humidade que vem,
naquele vale sombrio, coberto de musgo,
ligeiro lusco-fusco,

parpadeante nas costas do Outono,
plantas que robustecem
ao longo do dia,
perfeita harmonia,
seus ramos são galhos fortalecidos,
herbáceos viçosos, escorreitos até,
mantendo-as de pé,
milagre tão belo,
se apaga num dado instante,
renuncia do que foram, loucura, capelo,
período mais degradante,

descaem-lhes cabeças, recolhem desvelos,
resguardam segredos,
respeitam, sentem medo,
fecham-se um pouco na seiva que passa
lhes chega o sossego,
borbulham mansinho
seguindo caminho,
perdendo seu viço, desmaiando, sem graça,
na noite que cai,

sorrindo, adormeço,
aguardo, ansioso, retorno da cor,
num raio de Sol, energia, vigor,
consumação, enfeite, reinício, alvor!!!...


03

acordes imprevisíveis, como um jazz,
pairam sobre ponte que se sustém
sobre o abismo do esquecimento

não há memória de solidão na flor do outono

escorre a seiva, magma dos sentidos,
e se adere à pele branca do meu corpo
novo de fruto

no tempo perdido dos dias em branco
ficou a pele ressequida, comprometida
com o medo do brado dengoso das folhas

canto de sereia a disputar as noites idas,
ruído enganchado num passado que maldigo


04

Sons...
esses perdidos.
Escondem solidões com ruídos.
Desejos com gritos
E gritos com as seivas dos corpos,
Malditos!
Quero só o silêncio sem sentido.
Calado e quieto
Como uma nesga de céu
Embrulhado numa asa
em cima dum ramo dormindo.
Ouvem a escuridão que digo?
Não é preciso.
A solidão contenta-se com os acordes
de nenhum som ter conseguido.


05

Há um grito imanente.
que jorra insubmisso
em cada corpo e acorde
borbulha o compromisso
uma seiva tangente
que indiferente morde

não morre se sente


06

ao ressoar meus passos
nos cantos nesta selva de concreto
ouço teu canto como salvação a minha pele ressequida
sobre os esquecimentos do tempo a roçar a ferida

calço o sapato do infortúnio
busco a flor que dos teus olhos
me darás descanso repouso e guarida
a "esta seiva que borbulha a cada acorde"
de seu canto, minha doce amiga querida


07

Em cada pensamento em gestação
em cada poema em formação
buscas linguagem, na chocadeira
traçando planos para a vida inteira
e o poema depois de gerado
traz um destino temperado e
depois que o poeta se recolhe
a seiva borbulha em cada acorde


08

há um aroma de frutas no cálice aberto
da flor no outono e há a palavra branca
que no meu poema sorri, a cada acorde
da umidade

jorro insubmisso à revelação impossível
as sílabas rodopiam, folhas

lábios felizes, ardentes, a murmurar


09

uma flor de outono na boca branca
branca a flor, branco o outono
em todas as cores da seiva branca
meu branco de palavras, palavra
pedra, palavra flor, nu e pobre



Índice de autores:

01 – Rogério Santos
02 – Manuel Xarepe
03 – Sónia Regina
04 – Carlos Luanda
05 – Lmc
06 – Osvaldo Pastorelli
07 – JASilva
08 – Sónia Regina
09 – José Gil

terça-feira, 28 de agosto de 2007

"Libertos, há cavalos no vento."


(Imagem: Flávia Borba)
de Xavier Zarco, in "O guardador das águas"

01

Libertos
Os cavalos
Correm ao vento...
Admirada
Visualizo ambos!


02

O vento passou ligeiro
pelos fios dos cabelos
me falou de liberdade
e se foi... deixando o cheiro.


03

escrevo antes do cavalo em redor da casa
liberto o vento. Este é o meu ardente país
aproximo a flor do cais e do azul navio
escrevo ainda o cavalo do mar ao vento


04

galopando sobre dedos enganados
projectam-se em horizontes interditos
enlouquecendo a palha da liberdade
dos sonhos pelos ventos mutilados

na noite, estranha ingenuidade
vão cavaleiros à rédea solta
aprender mentir a sua sombra
aniquilando o bafo do rebanho
em batalhas gélidas de maldade
à vileza de bons pretextos.


05

… no limite da amargura,
na prepotência, no abuso,
débil reinado, pura loucura,
opressão que incomoda, perturba,
solto os cabelos ao vento, abro as portas que uso,
cavalgo palavras minhas, isolado, na imensa turba

deambulo,
porque me encaminho
liberto de qualquer amarra
revigoro,
não anulo aquilo que se escreve, narra,
procuro
mote que não imploro,

componho o que me apraz,
faço mais do que sou capaz,

pensamento como cavalo irado,
desembestado,
vou mais além do que posso,
martirizo ondas do vento,
fustigado,
provoco sons cavos, profundos,
inundo meu entorno, giro à volta d´outros mundos,
invoco o Pai como nosso,

calmo,
sossegado no meu retorno,
alivio penas, dores,
sensações, divinos sabores,
doce campina que atalho,
tarefa que me proponho,

pertinente,
acicato mente de doidos, afasto garras, dentes,
cadeados e correntes,
quebro música mais funesta,
recolho martírios que vivo, trago o coração cativo
nesta liberdade que sinto,
neste vento que me liberta,
neste cavalgar que sonho
quando escrevo, quando componho!!!...


06

Ah, as sombras destes tormentos
Dia após dia
cavalgando a loucura,
sem selas, esporas,
existir ou voar...
Cala-se-me a voz nesta surda tortura
Montadas de silêncio
no suor morno que me perdura...


07

Olho grade da janela.
Contemplo mundo que passa.
Vejo cavalo sem sela
trotando à chuva que grassa.

Quem está fora ali fica.
Aqui dentro, sai fumaça.
Chuva forte alambica.
O que mais dói é desgraça.

Olhando assim pela grade,
não sou eu alma penada.
Prendi amor e saudade.
É cativa a madrugada.

Pingo de chuva escorre.
Céu cabe dentro da mão.
Passarinho está de porre
por amor que não lhe dão.

Olho tempo e vejo chuva.
Mundo está na prisão.
Talvez cela seja turva.
Não sei se cinza ou carvão.

Chuva respinga do céu.
Do lado de cá, o chão.
No meu dedo, frio anel.
Ao meu lado, solidão.


08

Alheei-me mas participo ter voltado
como os cavalos no vento, liberto!...

09

sem forma, o vento livre adere à minha pele,
como um vestido molhado.
cavalgamos o pensamento que realça
a substância, minha própria natureza

liberta, solta no pasto


10

há momentos. singram alheios
à raiz do pensamento. cavalgam
amuradas, deslizando e velozes,
como só o pensamento manso.
são o momento. aluvião deste oceano,
que importuna a reflexão do indizível,
no contraste do vento que solta a raiz
do cabelo impensável. pelo tempo
desnecessário e adiado



11

anônimos e discretos

como personagens de um diário
íntimo numa qualquer passagem
romanesca despedem-se,
de um modo singular
[talvez de ver e sentir],
das circunstâncias do vento

numa representação destemida
e inconformada, libertam-se.


12

Libertos há pensamentos presos
presos há sentimentos livres
prisioneiros há corações alados
o catavento é escravo do vento
o vento é escravo livre
ainda vou montar em sua crina
para observar o mundo do outro lado
e quando de lá regressar
quero trazer preso nas rédeas
o sopro saindo da minha boca
quando então gritarei:
"Libertos, havia cavalos no vento
mas hoje minha voz liberta esse poema
que há séculos estava preso/cativo
nas entranhas da minha ignorância.


13

Na vastidão o prado enorme
Colheita singular. odores
Sons e cores. o potro liberta
O vento cálido de narinas infladas.
Vibrante oferece-se ao templo
pelos quartos retesados
No resfolegar

O prado e o animal nascem
Do mesmo sopro de vento


14

são azuis os cavalos do vento
são ternos os cavalos do fogo

e neste tempo que vivendo invento
cavalgo sereno as dunas do meu voo




Colaborações:

01 – Cármen Neves
02 – Denilson Neves
03 – José Gil
04 – Ísis
05 – Manuel Xarepe
06 – Carlos Luanda
07 – Maria José Limeira
08 – Francisco Coimbra
09 – Sónia Regina
10 – Lmc
11 – Sónia Regina
12 – JASilva
13 – Lmc
14 – Jorge Casimiro

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Circulo sem Circunferência em pérola



(Foto de Audrey Hepburn, autor desconhecido)


talvez a língua carnuda e lenta, carnuda e rápida

em circulos sem circunfêrencias azuis na pérola

talvez a mais pequena esfera na subtil tranquilidade total

da minha língua, tento esfregar os olhos na água, fechar

a esfera dos olhos mel negro , paisagem do mar no coração

em silex cavalo e égua densos onde o fraco é forte e o forte

paisagem e casas baixas e jardins , nos beijos construídos

em cada segredo , em tuas faces de rosa, em teu cabelo de

vento quero fluir a primavera em todo o meu corpo, levito

como um pequeno castelo onde te espero na arrábida, feliz

muito na flor da felicidade dos grandes dias, já nada é fumo

virtual, tudo é lucidez ardente num pequeno escritório, os

seios nas mãos e a procura da pérola , desejaria que o dia fosse

tão longo como a vida na sua ordem triunfante, beijo-te no

espumante, cavalgar e perceber tudo o que a ânsia alcança

amo-te e perpassa o desejo, nos teus cintilantes contornos

desejo-te na coluna tranquila e serei na nudez a alegria do lobo

ó delicia do norte, quero o teu sul no meu sul aéreo fogo,loba

bebo o teu néctar, faminta negrinha o sabor de uma fonte onde

ainda não saciei a minha sede pura metáfora do secreto dedo,

da mãointeira. Penso na pérola no circulo sem circunferência

do cavalo o seu cilindro molhado aproxima o teu corpo nu levemente

começa por modelar onde quero correr os campos no teu cavalo

em cadência irregular, quero entrar profundamente suave

até que o espumante te inunda, as unhas cereja se escrevem como

um punho , a mão assenta nas nádegas no fulgor sentido

no adágio das vinhas, o que ondula inquieta, vento do

coração em pérola, a erva crescente os contornos infinitos


José Gil

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

"A poesia não tem mais bondade que um abraço desconhecido"


de José Gil, in "Beleza"



01

Chamem-me fogo.
Mar infinito.
Sentir do peito em imensidão.
Ou dor
Miséria e sofrimento,
Lágrima em vela
desfeita pelo tormento
nos mares negros da solidão...
Chamem-me beleza ou indiferença,
Palavra de seda ou sonoridade oca.
ou apenas vazio pretensioso
num nada de palavras feito.
Tanto me faz o que pensem,
O que digam ou que trocem.
Ou que jamais eu seja som
a sair de outras bocas.
Sou apenas poema
uma intenção pequena
dum abraço deitado ao vento
sem desejos ou intentos
nem procura de outros peitos.


02

Essa fantasia
de abraços anónimos,
mascara quase sempre,
uma militante hipocrisia

por isso
quero
a poesia
bem perto de mim.

03

sim, meu amor,
perto
os versos pingam,
num borrão

a ferida, o urro
que sangra a folha

e a poesia lambe
[até que cicatrize]
dia após dia, noite
após noite.

04

Quem és tu
que me abraça
sem me conhecer?
Não há na poesia
mais bondade
que no teu abraço.


05

Há mais sinceridade
no abraço anônimo,
do burburinho da cidade
do que no beijo em curso
do velho amigo Urso.


06

... pródigo convicto do abraço,
como escrevo, como faço,
estendo vontade para além de tudo,
com ele me confundo,
irmano meu corpo na mente que ascende,
na palavra que traço,
no poema que esculpo
na tecla onde bato,

saído da Terra, ínfima semente,
planta que cresce, que abarca quem passa,
afago o mendigo
quando predigo,
esqueço a desgraça,
como destino d´amor que se converte
num gesto em que se aposta,
como se gosta,

amigo desconhecido,
oferenda tão doce,
dádiva permanente, caminho,
bondade maior de todo o Universo,
num simples verso,
num gesto travesso,
piscar d´olhar cúmplice, imerso,
rosmaninho, incenso,

olores que se espargem,
sem erros, sem margem,
sem fronteira
nem barreira
no cume da cordilheira mais alta
se aproxima quem se afasta,
se detesta, se mata,
crueldade inexistente
no âmago da gente,

coração latente,
necessidade que se sente
num gesto emergente,
enlaço que faço,
quando dou, quando passo,
quando alinho palavras,
as arrumo, as empino,
as envio como destino!!!...

07

Sete luas ainda povoam os sete
concomitantes abraços de ilusão

Serenos sempre serão os sete
instantes do reino dilúculo límpido
de sentido da luz e abnegação

A poesia mora no olhar os traços
entre beijos e abraços do dia
resta o espaço poalha a saltitar

Entre o sol e as luas o interregno
Lençóis esvoaçam no ar absorvendo
a melancolia das sete almas nossas
desconhecidas no sonho traçam o olhar


08

discordando faço verso
num complexo abraço
desconhecendo o inverso
das horas nuas do laço...
veia de transcendência
sumo de transparência
é poesia a meu gosto
no suor do mês de Agosto.


09

a mão abraça o rosto do sol
levanta os cabelos devagar
rede do enlaço, heras
entre os nossos corpos
de um lado e outro do oceano
bebo a areia ferida em sonho
enamorado de nervos livres
a pedra leve, que nos eleva
inundando as marcas vivas

é no sentimento e na dor
que o amor vale, cresce
dorme nas folhas da tua boca
lenta e ao fundo da terra


10

(faz a canção como um rio,
faz o rio como uma canção)

um abraço desconhecido
pode sempre ser apenas um
meio de assaltar e roubar,

pode ser prazer apetecido,
num abraço deslumbrante
onde te falta o ar de tanto

inspirar fundo este mundo!!


11

tudo espera bem na esquina do sol
como uma mancha de céu na cal
tudo espera o braço, o abraço
rente a carne viva das palavras

uma infância inteira a ler,
a mastigar na escrita um
bichinho de conta
e ter a bondade de amar
universal


Índice de autores:

01 – Carlos Luanda
02 – Jamor
03 – Sónia Regina
04 – Denilson Neves
05 – Maria José Limeira
06 – Manuel Xarepe
07 – Luís Monteiro
08 – Ísis
09 – José Gil
10 – Francisco Coimbra
11 – José Gil

Maria*



(Foto: autor desconhecido)

de Sónia Regina


Livre de buscares significações e razões para tudo, acordas e, quando o fazes, despertas completamente. Tampouco te aventuras pelo passado: a importância está no que és agora. Interessante talvez venhas a achar, um dia, a brincadeira do passado e do futuro e, quando já não for uma brincadeira - por tão sérios serem seus efeitos - recorrerás à memória para traçares teu presente. Que este, insistente, possa falar e dele seja, o teu futuro, uma decorrência temporal.
A leitura ou a escrita não são suficientes por si só, há mais. Não paga contigo mesma o tributo à vida: há que ter algum, mas podes escolhê-lo. Embora a vida não seja um passeio, é uma deliciosa ventura – e aventura. Reflexões fazem parte e as discussões solitárias que terás contigo mesma te ajudarão a forjar um estilo próprio: elo que te garantirá poderes nadar no mar em que tantos se debatem.
Isto é uma imagem, mas não deixe que elas te dirijam, tampouco as palavras. Usa-as tu, na tua jornada, e escolhe o teu caminho. Muda-o quando achares por bem ou te aprouver, mas busca dar conta das movimentações necessárias, o amor presente.
O amor é um estranho fogo, por causa dele nos movemos: é o sentido da vida. A direção, damos nós.
Chegarás a lugares. Alguns difíceis de alcançar, talvez por isso mais saborosos. O desafio é inerente ao humano, as conquistas nos dão o valor das coisas. O sonho é fundamental, desde que construas os alicerces para realizá-los, senão poderás ficar um tempo demasiado à beira de alguma estrada ou, talvez, te debatendo naquele mar...
As artes são boas companheiras, a serenidade e a paz são sábias. As paixões, embora efêmeras, são necessárias. Nada se faz bem feito sem um interesse que nos tangencie o coração. "Esse interesse, chamamo-lo paixão quando, recalcando todos os outros interesses ou alvos, a individualidade por inteiro projeta-se sobre um objetivo com todas as fibras interiores de seu querer e concentra nesse alvo todas as suas forças e todas as suas necessidades. Nesse sentido, podemos dizer que nada de grande se realizou no mundo sem paixão." Assim dizia Hegel - um filósofo que será sempre importante - no livro "A razão na história".
O coração fala e diz coisas importantes, a serem levadas em consideração – não é só um músculo, ou morada da alma. Ouve-o, mas protege-o: ele é um eterno bebê – não como tu, que crescerá - sempre disposto a pular no colo de quem o toca. Às vezes se desaponta (o que se reflete em nós, sua habitação): nem sempre há um colo disponível atrás de um toque. Deixa-te tocar, não te defendas, mas cuida-te.
A natureza, ainda que estejas na cidade, não a dispenses. Há dias calmos e quentes, mesmo em junho. O céu é mais azul nessa época e olhar a lua à noite não te esfriará, poderás dormir com o calor que amealhares para ti durante o dia.
Os grilos sempre cantam lá fora, em noites no campo, muito mais estreladas. Ouvi-los e vê-las é magnífico e podes agradecer aos teus pais estares ali. Nada relacionado com o fato deles serem participantes da tua existência... E tudo, também.
Se não ouvires as cigarras, é porque só voltam para anunciar o verão. Mas existem, mesmo que não saibas onde estão. Há incongruências que basta reconhecer e há coisas que existem,
independente de creres. Contudo, atenta à filosofia e à metafísica, para não te enredares nelas.
As coisas que virão a te agradar estarão sempre presentes, fazendo parte de um espaço ao qual irás quando quiseres, sendo esses vôos objeto de teus desejos.
O estar referida ao tempo presente te engrandecerá. Tudo flui mais naturalmente e não pré-ocupares a mente te libertará.
Não coloques peso a mais do que já tiverem as tarefas a que te propuseres. Só assim – penso eu - sentirás o prazer de vivê-las. Não cries problemas das situações difíceis. Obstáculos são para serem ultrapassados ou contornados e problemas... Bem, uma vez criados têm que ser resolvidos. A matemática te demonstrará isso com números, mas vale a analogia.
Tudo faz parte, não deixa de exprimir-te. Atenta às tuas impressões, expressa-te.
O tempo é relativo e um instante será, ou não, breve. Sua duração depende da vida de cada momento. Olhar para as folhas em uma manhã de sol é tão bom, que o bonito simplesmente apreciado pode ser um instante infinito.

Um beijo carinhoso
da Sonia


* Tema do Mês: "Bebê, o infinito em ti se encerra"

Amor-perfeito


(Foto: autor desconhecido)


se em cada palavra de amor
florisse uma flor
em minha boca
eu te oferecia um ramo de acácias

seriam amarelas
especulando o sol de todos os dias

se em cada palavra de amor
eu te tomasse o mel dos lábios
e te estendesse
na suavidade do meu colo

seria doce cada memória
aspirando o enlevo dos beijos


se em cada palavra de amor
eu unisse ecos dos nossos sussurros
os espalharia ao vento
sedentos por unirem o mundo

teria criado a perfeição


Vera Carvalho

terça-feira, 14 de agosto de 2007

In Nomine


(Foto: autor desconhecido)
9.

dizem: as perseguições foram há muito tempo, quando ainda havia
paredes dentro da casa e as relíquias dos mártires era inatingíveis,
como um signo de amor que ainda não revelasse a sus face oculta


e são tantas,
tantas que as lágrimas apenas derramam o que resta do meu sangue, e
pareço quieto. e pareço firme quando sei que a chama me fará explodir
e que o meu corpo já não é a alma toda


dizem: é assim a cristandade. a alma não transporta o corpo nem
o resume. é uma entidade separada. de fora, o coração, o olho
esquerdo e o olho direito. a lágrima. a língua que inventa canções
quando o sangue vibra na chama


não, não é o corpo todo. o corpo não renuncia ao amor nem à dádiva
ser tudo perfeito, como se eu fosse uma concha que vivesse mil anos e
fosse apenas isso. um lento entrar e sair, assumindo a morte e uma
gratidão sem limites. saberia que dormiria a seguir e que atravessava
um oceano infindo, num mar que não é meu, mas que pertence a todos os
homens.


Jorge Vicente


Entrevista a Mónica Correia*

por Vera Carvalho e Carlos Luanda

1. Mónica Correia, sabemos que a tua escrita literária se iniciou na adolescência. Existiu alguma influência marcante que te levou para a poesia?

Mónica Correia - Desde criança que gosto de ler, li livros infantis e quando comecei a entrar na adolescência li as aventuras típicas da idade como os Cinco, os livros sobre droga: Christian F, Viagem ao Mundo da Droga e ainda baseados em histórias verdadeiras como Papillon de Henri Charriére. Quando entrei na minha adolescência hormonal devia ter mais ou menos 15 anos (é que eu era atleta de competição e isso atrasa o desenvolvimento) sentia-me a mulher mais incompreendida e infeliz do mundo…até encontrar um livro de poesia de Florbela Espanca na Biblioteca Municipal de V.N. Gaia e descobrir que havia mais mulheres que pensavam e sentiam como eu. Aí começou esta descoberta que é das únicas coisas a que me mantenho fiel: a poesia.
2. Como Mulher, como difícil arte de o ser hoje em dia, como consegues conciliar os papéis de esposa, mãe, dona de casa, profissional e poeta?

Mónica Correia - Nada na vida é fácil e há sempre alguma coisa que vai ficando para trás…
Um dia, algures na minha adolescência, confrontei a minha mãe com um elogio que um professor lhe tinha feito a respeito da minha escrita ao que ela me respondeu que seria bem melhor que eu aprendesse a limpar o pó! Mas definitivamente limpar o pó não "faz o meu género"! Por isso, sempre que posso é o papel de dona de casa que vai ficando em espera. Quanto ao resto faço os possíveis para os desempenhar da melhor forma mas só perguntando aos intervenientes em questão é que poderemos confirmar!


3. Mergulhando nas tuas palavras:

" Cânticos de silêncio que grito nas pautas de vida,Acordes sem acordo e desconcertante hipoteca de som.Escrevo a letra imaginária que cai dos olhosE se transforma em arlequim da poesia singular.Sem as cores que reflectem o cristal do teu olharSem o brilho perfeito reflectido da pele de vidro.Canto a voz que se agarra aos meus dedos mutáveisE deixo cair palavras na página finita de dias. "

Qual o sentido da tua mensagem poética? Pretendes expressar os teus sentimentos pelas palavras?

Mónica Correia - As histórias contam-se nas palavras do corpo e no corpo das palavras.
É um misto de emoções com necessidade de criar.


4. Citando Maria Teresa Horta "Não há nada que a nossa voz não abra", Mónica que portas abririas ao futuro da humanidade?

Mónica Correia - Da tolerância e respeito à diferença. Todos nós vemos o mundo de forma diferente e presunçosamente achamos sempre que a nossa forma é a mais correcta. Devíamos ser mais tolerantes e respeitar a visão dos outros.


5. Mónica Correia. Concordas com a afirmação de que toda a poesia é feminina ou pensas que o fenómeno poético está ligado a um universo de género indefinido?

Mónica Correia - A poesia é como os anjos: não tem sexo, no entanto pode ser muito sexual e assim sendo está indiscutivelmente associada aos homens. Não, não são os homens com falo de que falo, mas sim a humanidade! È uma forma de criação pintada de palavras.

6. Vejo em ti um espírito inconformado e lutador. Certamente autocrítico também. Como analisas a tua própria poesia?

Mónica Correia - Como pequenos retratos que tiro na realidade suspensa com a cor da fantasia. Quando vou ao baú sinto os poemas velhos e sem força, mas guardo-os novamente, fazem parte da caminhada. Continuo a tentar escalar a montanha mas muitas vezes sento-me cansada e espero que o céu se pinte de outra cor para voltar a escrever.

7. Achas que um poema é apenas uma semente ou lês a articulação das palavras como quem segue com o olhar os ramos duma árvore?

Mónica Correia - Todas as palavras são articulações: "a insustentável leveza do ser" é constituída pelas ramificações dos ossos nos poemas do corpo. Deito-me nos desvios dos ramos e colho a poesia, às vezes verde, às vezes madura, mas sempre com sabor a paixão.


8. Quando dizes, e cito-te:..."E cruzo as mãos de orações na absolvição do existir", pensas que a poesia é antes de mais uma atitude de libertação e purificação interior, assim como a tentativa de expiar algo indizível, ou pelo contrário um eterno franquear de fronteiras?

Mónica Correia - A poesia como qualquer tipo de escrita é um acto de libertação, mas esta libertação tanto pode ser uma punição como uma satisfação. Gritar nas palavras tanto pode ser uma gargalhada estridente como um som de dor. A emoção está lá a enfeitar as mensagens que dissecamos e consumimos como pão e água ou como o pecado da gula!

9. Acreditas que um dia a Humanidade encontrará verdadeiramente a Palavra?

Mónica Correia - Não acredito que se encontre a palavra universal… em cada país há um dicionário e há palavras que nem têm tradução de umas línguas para as outras, como a nossa saudade. Por isso e pelos valores diferentes que existem nas várias linguagens acho que nunca chegaremos a um consenso de Humanidade.


10. Se pudesses ser tu a descobrir a Palavra o que farias com ela?

Mónica Correia - Acho que se tentasse ir em cruzada para a espalhar pelo mundo, morria na fogueira ou era apedrejada por aqueles que me vissem como a bruxa da palavra do pecado. Nunca estamos preparados para perceber e aceitar o que não está ao alcance dos nossos olhos…



* Mónica Susana de Oliveira Correia nasceu a 14 de Abril de 1972 em Vila Nova de Gaia. Foi ginasta de competição durante 12 anos e frequentou a Escola Superior de Jornalismo no Porto, tendo enveredado para a área de Gestão e Marketing.
A sua escrita iniciou-se aos 17 anos, quando as suas emoções eram maiores que o seu corpo e tinham de se extravasar de alguma forma. Criou o blog "omeuumbigo" http://perigososcontactos.blogspot.com/, onde publica as suas poesias e para além de fazer parte da nossa lista participa na Lista Escritas de José Félix.
Em Dezembro de 2006 lançou o Livro Corpos Sem Som .
Em Março de 2007 participou na Antologia de Escritas N. 4 e em Junho na Antologia Poética Amante das Leituras.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Todo o acto de escrever / É uma experimentação.

de Luís Monteiro da Cunha

01

Se o ato de escrever
É uma experimentação
Escrevo
Saudades, Luís Monteiro da Cunha
Porque os amigos
Moram em meu coração.


02

As palavras adormeceram em mim
serena é sua respiração
em seu sono profundo
Olho a quietude do rio sob
a canícula dormente do estio
e um filme verde de incêndio e dor
no outro lado do mundo
impede o meu regresso ao poema
Fica-me este labor de consoantes e vogais
uma arquitectura de fonemas
nascida da experimentação mais
um exercício de raiva
antiquíssimo método de chorar no silêncio.

03

Não quero me exibir em dialética,
Tampouco me entregar à fantasia,
Mas... Será o poema cria poética,
Ou num mundo de rimas preexistia?

Será o poeta um mero montador,
Lírico pescador da poesia
Particionada pelo Criador
Na chama inspiradora que irradia?

Se assim for - Que metáfora mais bela!
O poeta é um catador de versos,
Que encaixa em rimas na estrofe certa.

Mas para ser poeta, não esqueça:
Não basta garimpar nestes recessos;
Há que saber montar quebra-cabeça.


04

no espaço aberto da imaginação
existe uma nascente profunda
escrita no rio do pensamento
que transborda ao coração

células impossíveis de conter
igual sede que temos de beber
o amor de cada palavra criada
escorrendo entre dedos
horizontes de afagos.

interdição às sensações
emoções realidades e sonhos?
Não.!


05

espere
experimente
exprima-se
especule
exibindo
espiritual
espectáculo
exuberante
esperando
extasiar-se


06

Não desisto de ti
Que és nome silencioso
Que madruga e veste
As minhas mãos.

Algo mais intenso e perturbador
Mergulham sorrisos a alma só
Impulso corre as veias solidárias
Este auge do ser implacável
Compra-me o espírito sem dó.

Os olhos observam a paisagem
Despidas as mãos, sem palavras,
Vivo desse impacto
Sem sonhos refugiam-se as estradas.

Não desisto de ti
Sem ser nada ou ninguém
Construí um rio de palavras
Para adormecer nas mãos de alguém.

Impulsionas-me, sugestionas-me,
Questionam-me as frases devaneias
Que são o meu fôlego silenciado
Desejo de aventura, enamorado.

Criei-me e dei-me ao teu esplendor
Mais altivo que o dos anjos,
Senti-me uma criança a acordar
Braços abertos abraçam o mar.

Não desisto de ti
Que és nome silencioso
Que madruga e veste
As minhas mãos.

Chamem-me poeta...

Chamem-me o que quiserem...

Sem ti, eu sofria...
Sem ti padecia...

Morria?...


07

Levou-me para um quarto de hotel barato
Fechou a porta da minha timidez e abriu a da nudez
com a mão, com a boca com o que eu escrevia.
Havia uma janela virada para o corpo donde o calor saía
para uma parede branca nos olhos, iluminando-os
que pagou a conta do quarto, a comida dos filhos, a virgindade
mas os vagidos de prazer do acto no quarto de papel oferecia a quem os lia.


08

experimentar
o acto de escrever
exprime a experiência
humanamente + profunda
adição múltipla
de todas as operações
o acto da escrita revela-se
plenamente X sem conta
tudo aqui conta
se cada verso vive
a mais completa luta
para chegar à revelação



09

... o acto de escrever, em si,
é comunicação, entendimento
entre seres que julgam,
introvertem, partilham,
comungam
dessa habilidade com um fim,
experimentando, como diversão,
enovelando termos novos, confusos,
busca incessante duma definição,
clarão mais pertinente,
rasgo raro, luminoso,
estrépito
som de vulto, fragoroso,
novel forma de manifestação,

descoberta que se tem, temporária sensação,
sinais trabalhados na proveta do pensamento,
conversão em traços, espaços, vírgulas e pontos,
imagens vividas em profusão,
acontecimentos que nos entram pelas janelas que temos,
olhos abertos em permanência,
aglutinação depois da afluência,
esmagamento em almofariz
do que se vê, do que se ouve, do que se diz,

fértil imaginação,
sem fabricação extemporânea,
casuística, oportuna,
descrição que aflui, nos esmaga porque rói,
se traz guardada, funda,
algo estranha, profunda
necessidade que chaga, fere,
amolga, dói,
incomodidade permanente,
que se transforma, num repente,
dádiva de tanta gente,

aventura que se vai contando
na escrita que se alinha,
nos sinais com que se traça
tudo aquilo que passa,
experimentando,
num acto que se torna hábito,
grafismo que se torna escrita,
imitando, sentindo
manifestação invicta
estando sentados, fugindo,

quem cria, depois de criado,
evolução que nos foi dada,
por quem desdenha,
não sendo amado,
mortal perdido nas trevas
numa busca insana, frutuosa,
sorte incerta, desditosa,
contributo inestimável,
no campo de tantas artes,
recantos humildes, tantas partes,

na ponta dum pincel,
nas linhas de qualquer papel,
no bico aguçado dum cinzel,
na carne que se transforma
em alimento, como norma,
no vegetal que se multiplica,
na ave que se mata, come,
no peixe que se escama, se deglute,
se ingere,
nas vestes que nos arroupam,
nos enganos que nos propomos,
fazendo aquilo que somos,

nos mortos que se não poupam,
nas guerras ferozes, bárbaras,
guerras com arte, matanças,
quantas novelas, mudanças,
acumulações, simples aparas,
existências que deixam marcas,
riscos, arabescos
diferentes, escurecidos, frescos,
graciosos, ridentes, cinzentos,
passagens, pegadas... momentos,

acto, como experimentação,
alocução inebriante,
incitamento de quem lê,
escritos mais pensados, escusos,
não poéticos,
disfarçados pelo mal que encerram,
hipotéticos,
quando gritam, quando berram,
provocando agitação,

confrontos medonhos, perversão,
enganos na multidão,
não são do coração,
espécie de maldição
adulterando o que há de belo
gerando ódios, confusão,
antípodas de qualquer anelo!!!...


10

Escrevo p'ra não perder o traquejo
p'ra não deixar acumular esta maldita
ansiedade que tenta me domar

Brinco com as palavras
quando desconcertantes imagens
invadem o pensamento

Se ponteio ou pontuo
nenhuma diferença fará
quero apenas garatujar.


11

numa tentativa de contornar as palavras da voz
escurece-me a tinta
que goteja da pena
é negra
oculta-me o entendimento

castigo a minha ambição
aprimoro o traço
ardo de ânsia
mas a gota continua a pingar e
é negra

derrubo-me infrene sobre o papel
e esmago as palavras
sou ruína sem entender
o que queria
ter dito


12

Correm leves as letras breves
sem cuidar do meu intento
Uma daqui,
outra do vento.
Outra do sangue que nas veias ferve.
Não sabem mais que estar caladas
Quietas, firmes,
Arrumadas,
Em mortalhas de silêncio.
Sabem de si só o momento
criado na ponta do querer.
Um acto-vontade congelado.
Eternamente condensado
que embora lido, ressuscitado
é o somente o instante pensado
Distante e criado ao escrever


13

que corram céleres, as letras
palavras, sílabas encarnadas
não pensadas, escritas

doídas ou alegres, se ditas
no frio ou no quente
[fora da mente]
ainda que ensaiada,
a vida


14

Foge-me o sossego
quando, às vezes, vejo
palavras à esmo
contando segredos

É que sou arremedo
de tudo que escrevo
não conto segredo
mas sempre me vejo


15

Lusitana palavra
Une amor, amizade
Imagem trabalhada.
Zelo, dedicação.

Carimbo cunho
Únicamente mão
Não deixa o desânimo
Habitar o coração...
Amante da palavra!!!


Autores:

01 – Carmen Neves
02 – Bernardete Costa
03 – Denilson Neves
04 – Ísis
05 – Francisco Coimbra
06 – Paulo Themudo
07 – Ana Maria Costa
08 – Francisco Coimbra
09 – Manuel Xarepe
10 – Andrea Motta
11 – Vera Carvalho
12 – Carlos Luanda
13 – Sónia Regina
14 – Denilson Neves
15 – Ísis



Amigos, espero que vos agrade esta versão final
do desafio semanal.
Obviamente, esta semana não comento o teor do poema.
Delego-vos essa tarefa.

Obrigado a todos.

Luís Monteiro da Cunha