de Sónia Regina, in "uma flor no outono"
01
trago dentro de mim, um horto
onde cultivo minhas flores
onde colho meus próprios frutos
onde ouço o canto dos pássaros
onde caminho nos finais de tarde
onde transito pela seiva de acordes
entre tantas e generosas árvores
que abrigam com boas sombras
as borbulhas úmidas do chão de terra
onde o tempo deposita cada folha
num abraço outonal afetivo
no ciclo das quatro estações
alheio aos alardes acachapantes
dos que propagam flores de plástico
emblemático e precioso resplendor
na contramão da nespereira florida
02
… poalha perfumada se espalha
na atmosfera,
inumeráveis insectos embriagados
zumbindo em afazeres continuados,
levando pólenes, recanto da terra,
originando tais resultados,
poisando nas rosas que se erguem nos pedúnculos,
receptáculos sedosos das pétalas que têm,
gotículas minúsculas, dispersas, compostas,
pequenos cristais brilhando, crepúsculos,
arrumadas, abertas em chama,
cor que canta, beleza que clama
sente-se o borbulhar da seiva que ascende
do solo, a humidade que vem,
naquele vale sombrio, coberto de musgo,
ligeiro lusco-fusco,
parpadeante nas costas do Outono,
plantas que robustecem
ao longo do dia,
perfeita harmonia,
seus ramos são galhos fortalecidos,
herbáceos viçosos, escorreitos até,
mantendo-as de pé,
milagre tão belo,
se apaga num dado instante,
renuncia do que foram, loucura, capelo,
período mais degradante,
descaem-lhes cabeças, recolhem desvelos,
resguardam segredos,
respeitam, sentem medo,
fecham-se um pouco na seiva que passa
lhes chega o sossego,
borbulham mansinho
seguindo caminho,
perdendo seu viço, desmaiando, sem graça,
na noite que cai,
sorrindo, adormeço,
aguardo, ansioso, retorno da cor,
num raio de Sol, energia, vigor,
consumação, enfeite, reinício, alvor!!!...
03
acordes imprevisíveis, como um jazz,
pairam sobre ponte que se sustém
sobre o abismo do esquecimento
não há memória de solidão na flor do outono
escorre a seiva, magma dos sentidos,
e se adere à pele branca do meu corpo
novo de fruto
no tempo perdido dos dias em branco
ficou a pele ressequida, comprometida
com o medo do brado dengoso das folhas
canto de sereia a disputar as noites idas,
ruído enganchado num passado que maldigo
04
Sons...
esses perdidos.
Escondem solidões com ruídos.
Desejos com gritos
E gritos com as seivas dos corpos,
Malditos!
Quero só o silêncio sem sentido.
Calado e quieto
Como uma nesga de céu
Embrulhado numa asa
em cima dum ramo dormindo.
Ouvem a escuridão que digo?
Não é preciso.
A solidão contenta-se com os acordes
de nenhum som ter conseguido.
05
Há um grito imanente.
que jorra insubmisso
em cada corpo e acorde
borbulha o compromisso
uma seiva tangente
que indiferente morde
não morre se sente
06
ao ressoar meus passos
nos cantos nesta selva de concreto
ouço teu canto como salvação a minha pele ressequida
sobre os esquecimentos do tempo a roçar a ferida
calço o sapato do infortúnio
busco a flor que dos teus olhos
me darás descanso repouso e guarida
a "esta seiva que borbulha a cada acorde"
de seu canto, minha doce amiga querida
07
Em cada pensamento em gestação
em cada poema em formação
buscas linguagem, na chocadeira
traçando planos para a vida inteira
e o poema depois de gerado
traz um destino temperado e
depois que o poeta se recolhe
a seiva borbulha em cada acorde
08
há um aroma de frutas no cálice aberto
da flor no outono e há a palavra branca
que no meu poema sorri, a cada acorde
da umidade
jorro insubmisso à revelação impossível
as sílabas rodopiam, folhas
lábios felizes, ardentes, a murmurar
09
uma flor de outono na boca branca
branca a flor, branco o outono
em todas as cores da seiva branca
meu branco de palavras, palavra
pedra, palavra flor, nu e pobre
Índice de autores:
01 – Rogério Santos
02 – Manuel Xarepe
03 – Sónia Regina
04 – Carlos Luanda
05 – Lmc
06 – Osvaldo Pastorelli
07 – JASilva
08 – Sónia Regina
09 – José Gil
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