Lançamento da Antologia Poética "Amante das Leituras"

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quarta-feira, 12 de setembro de 2007

"A casa é sempre o lugar certo de peleja",

de José Dias Egipto, in " A Casa"
(Foto: autor desconhecido)


01

Sou dos dias antes das estrelas.
Desses tempos do Nada eterno.
De onde surgiu o fino fermento,
que cozeu no mundo
o forno do Tempo.
E continuo sempre nada.
sem sois ou luas que me invadam
Não viajo, não resido,
não existo, nem me invento.
Não sei o que é um tormento
nem de estar preso em parte alguma
E sendo menos do que a ausência
que se perde no infinito.
É disto mesmo que preciso.
Desta paz dum mal que não sinto.
E onde moro; a minha casa...


02

… encontramos
no íntimo, o que buscamos,
faminto que procura no lixo,
resposta para tanta pergunta que assusta,
aviltação que sinto por isso,
sombra abrangente que obscurece a razão,
temerosa dúvida que se tem,
não busca,

ludibria quem se alheia,
beneficia quem se preocupa,
nisso se ocupa,
inocente que morre na hecatombe,
casa de cada um, peleja constante,
mausoléu que cerra horizonte,
mágoa,
desconforto de quem sente
inquietação,
acomodação do indiferente,
situação degradante,
aberrante,
como manchas que alastram,
escuras, lodosas, espessas,
matéria do ventre da Terra,
líquido maldito, putrefacto,quando se retira,
terra de ninguém, desacato,
desterra,
acondiciona como espécie rara,
energia cumulativa de milénios,
envolvimento soterrado,
enriquecido,
razão primeira, coisa cara,

base que sustenta,
destrói,
constrói
impérios que soçobram perante morte
consentida,
fortuna colossal que amedronta,
lama que se transforma,
situação descomunal que afronta,
nódoa que ostenta, como sorte,
sem destino, como norma,
energia temida,

devastação com que deparamos,
quando olhamos,revoltamos
na sanha que usamos,
quando travamos luta incerta, injusta,
celestial, puro,
causticando vítimas inocentes,
rochedo imponente, bem duro,
enfrentando o que nos assusta,
proveitos,
dispêndios connosco, com outros,
pobres loucos,
matéria infecta,
dinheiros, regalias,
ilusões, fantasias,
obcecações,

sussurros, segredos,
medos,
conluios, conspirações,
degredos,
suspiro de quem se julga longe disso,
inferno a seus pés,
afago sem agasalho,
confissões, plegarias, fés,
resultado da cegueira colectiva,
quando se invectiva,

acirra
na mentira,
degradação que nos transtorna
o juízo,
luta contínua, desigual
entre o bem, o mal,
divina ceia de quem se banqueteia,
negridão que avassala,
escravização de quem se desfeia,
confunde espírito mais daninho
como embriagado por vinho,
empedernido ser translúcido,
pesado, grosso,
rude desgosto
com que me igualo
quando calo,não me insurjo!!!...


03

cada viagem ao berço será
sempre o início do regresso
o retrocesso na peleja dos olhos
travessos como a aragem

cavalgar cada praça no pau
da existência da vassoura
a excomungar uma limpeza
de ideias que não se desejam

caravelas ainda velejam nos rios da infância
correm de novo para os campos sedosos
de tubérculos e caules dos milharais
onde criança erigia-se a casa ruidosa
sob as bandeiras que eram douradas
sobrevoadas por aviões de asas
recortadas nos gritos constantes
dos temerosos animais

O lugar certo
da peleja
habita no coração


04

entre o que sei e o que não digo
ponteiam súbitos de serenidade
entre o que não sei e o que digo
cravam-se abismos de vaidade
fico-me pelo pudor do silêncio
que sufoca a peleja acesa
de bocas soberbas

05

por isso, deixem-me enxergá-la.
deixem-me ver, na minha casa,
tudo que de tão meu ela guarda
porque

"Guardar uma coisa é
olhá-la, fitá-la, mirá-la
por
admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela
iluminado"

(1)(1) António Cícero


06

Em casa sou asa
Em caso que eleja
Peleja e litígio
Inseto de frutas
Quintal de palavras
Sou lavra de larvas
Minhocas, lampejos
Prego percevejos
Ampulheta, paráfrase
Parafuso difuso
Alicate abacate
Sabor enjambrado
Por sal e açúcar
Extraio das sobras
De sombras profusas
A seiva do novo
Reciclo o telhado
Espatifo as viga
e me recolho lenha


07

na segurança do lar
têm lugar as grandes pelejas
servidas pela pele
tendo o corpo por bandeja
saber ao certo...o deserto pelas dunas
correndo o vento
em companhia ao pensamento
porque o que sei
diz-me ser de súbito apenas
o repente a decidir

o que é certo
tendo por errado o contrário
enquanto as palavras...
valem o que vale(m) tudo


08

Diversas pelejas
assumem contornos de luz
quando procuramos no lar
que existe dentro de nós
e deixamos nas noites a voz da pele
para entregarmos às manhãs
o beijo fresco da paz.


09

É em casa que guardo todas as minhas pedras
dentro dos livros de oração.


10

Dentro de velho livro,
rato sorrateiro e teimoso
come e bebe as mais belas
palavras de amor
que escrevi para alguém
que não me quis.

Na casa soturna e abandonada,
esse ratinho treloso
é o momento alegre
da mais triste história
de amor que então vivi...

11

A casa que não tenho
é a casa que desejo
porque a que possuo
nada dela almejo.
investi todo meu amor
na casa que construí,
meu sangue, minha dor
meu suor fiz cair,
mas pretendo outras casas
em estado de construção
para fugir desse marasmo
do dia a dia, pão e pão.
Construirei o palácio dos sonhos
e a vida terá continuação
construirei na verdade
sem alicerce no chão
o palácio para a posteridade.


12

Outra vez a casa…
O tumulo inconfesso
da nossa vida a sós;
o regresso sempre imaginado
ao lado mais uterino de nós…

Outra vez o quarto, a sala,
o cheiro das roupas penduradas,
os lugares da alegria e do pranto;
fragrâncias de momentos do tempo,
carne nossa, partilhada, que jaz em cada canto…

De novo os livros que forram as paredes,
nossos íntimos horizontes,
uma outra pele lisa, amarelecida e calva;
aconchego e luxúria do espírito,
rede, tantas vezes, que nos prende e que nos salva…

Tirem-me tudo da vida que eu aguento!
Mas deixem-me ouvir os sons da casa,
a música e as vozes do meu jardim partilhado.
Porque sem esse unguento de luz e de gente
ficarei cego e gélido mesmo no calor da maior brasa!...




Índice de autores:

01 – Carlos Luanda
02 – Manuel Xarepe
03 – Luís Monteiro da Cunha
04 – Vera Carvalho
05 – Sónia Regina
06 – Rogério Santos
07 – Francisco Coimbra
08 – Ísis
09 – Ana Maria Costa
10 – Maria José Limeira
11 – José António Silva
12 – José Dias Egipto

Um comentário:

Naty disse...

Olá vim conhecer teu cantinho e gostei.voltarei
bjs naty