Lançamento da Antologia Poética "Amante das Leituras"

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segunda-feira, 2 de julho de 2007

"No fundo da alma, um grito de veludo,"


(Foto: autor desconhecido)

de Nina Rocha, in Desafio: "Bebo-te como água"

01

o homem cansado do sangue e das palavras
vive o pesadelo dos dias no incêndio duma rotina
redonda de dor e fome
e sua alma grita um silencio profundo

senta-se no cenário semelhante à alma
e procura na pólvora das ruas e dos sonhos
o sinal branco duma furtiva lágrima

e no escombro das casas pregado à fome
e à dor o homem aguarda a vinda de seu senhor e
acredita que o céu não dorme

mas são somente seus gritos de veludo que ecoam
nos ouvidos dos senhores do mundo


02

… sentado em banco amplo, robusto, madeira pesada,
num dos muitos que a enchem, catedral de la Almudena,
colunas coríntias, criptas de encanto, vitrais diversos,
pinturas, frescos já recuperados,
fúria dum corpo, arrasto dum mal,
decrépito, já velho, figura de pena,
idoso, cabelo em desalinho em surda conversa, tristezas, segredos,
injúria, pela expressão que mostra,
olhar cravado no Cristo que culpa,
braços abertos, na Cruz da Catedral,
perante todo aquele espaço, arranjos florais, altar que se alça,
tronos dos clérigos com espaventos,
incúria dos tempos,
grito de alma,

grupos espaçados,
chusma que tira bonecos, se extasia,
clarões diversos, às vezes parados,
vozes de veludo, som que cicia,
crentes, não crentes, origens diversas,
deambulam, dispersam,
nave primeira, nos altares,
nave que cruza, na lateral,
jovens aos pares,
saudáveis, sem mal,
talhas doiradas, Senhora de seu nome,
tríptico com ares,
cenas bíblicas que gritam preceitos,
velas, esmolas, santos, santas,
pintadas, esculpidas, desconformes, com jeitos,
aconselham, avisam,
mudas que gritam,
almas que sentem trejeitos,
defeitos,

olhos que incendeiam, escancarados, ausentes,
mãos trémulas, frementes,
voz cava que balbucia,
não cala, invectiva,
acusa o sacrificado pregado na cruz,
da ostentação que sente,
dela afastado, de ausente,
amplidão tão fresca que convida ao recato,
descanso tão grato numa tarde de Verão,
sem penitência, simples oração,
visita turística, portas adentro,
relevos de medo,
bronzes pesados,

Petrus descomunal, pedra que pesa, que assombra, real,
casamento gravado naquele local,
Palácio do Oriente ofusca culpados,
góticos que enlaçam, que cruzam, traçam,
pormenores tão densos, gritos de alma,
vozes de veludo dos que visitam,
passam,
visão que estarrece, velho que sucumbe,
dor que grita, pedras seculares
para quantos lares,
estarrecem, incitam,
amedrontam,
chaga que arrasta,
acalma,
quanto se afrontam!!!...


03

A solidão das pedras é maior
e mais profunda
que a solidão de corpos.
Na verdade
não há fundo nenhum na alma
e é tudo mentira.
Na verdade
não se recebe amor amando
nem proteção protegendo.
Na verdade
não há resgate
para o solitário das pedras.
Na verdade
toda a filosofia é inútil
perante o poço alheio.


04

É este sol...
Sua luz em mordaça
Sua vontade de encher-me de si
nesta sombra que teima ficar,
e não passa.
Silencia num riso
o grito que de veludo
esconde tudo
mostrando a alma
no fundo...


05

[-]
no fundo da alma
o mundo abre-se
como um grito
de veludo!...

[I]
escrevo apenas para ti
para que saibas
o que sentes,

o que...
o que não podemos,

o que não queremos mentir

[II]
as palavras sentidas
em poesia

[III]
secretas certezas dadas
na recorrência de
termos...


06

O obscuro dos dias
que te prende a fala
se desmancha num sorriso.

Saltam as sílabas desconexas
[as inflamadas] ,
mas só o afago profundo
nas frases da alma
toca os sentidos
que escrevem
orações no corpo
e, do fundo, soltam
[à claridade]
palavras sem mordaça
num grito
de veludo.


07

bebo-te em demasia
num gole violento
sedento
na ressaca do dia

escorres
pelo canto da boca
hidratas a garganta
em quase asfixia

estancas o tempo
unguento
mareias o leito
num brinde à orgia

alimento
não cabe ferrolho
catavento
antídoto
por detrás da gelosia


08

ofereço-te os chinelos
Suaves que são
Teu pijama
Riscado de prisão
Anarqueia o sofá
Fofo como veludo
E morre frente a essa
Tua amada televisão!

Claro, de copo na mão
E o inerte cigarro lento
a conspurcar o pigarro
o salão!

Fico do teu lado
Mudo
Assistindo a tudo
Maldita televisão!

Que te absorve os gestos
As palavras e os sentidos
Desconexo e fere
o semblante
traído

bem no fundo
lá onde a alma habita
ainda existes
perenemente adormecido


09

no seio das cores do amor
ardor magnético
glória e ventura
iluminavam o espaço da vida
desde a alma ao pensamento
dos olhos ao coração
até que...
o fel sombrio do manto da noite sem eco
cobriu esse espaço.
do lado de cá...a saudade
veste veludo roxo profundo
no fundo desta alma
onde tu estás.!.


10

No fundo da alma
tenho um grito mudo
um grito que me afoga o coração.
Não é de veludo
não.


11

no fundo da alma

a água é azul ou verde

o grito é transparente e despido.


12

No fundo da minha alma
Há veludo
Seda e
Chitão.


13

Se o tempo não tivesse passado
tão célere, tão descompassado,
eu ainda teria cachos nos cabelos,
e flores, emoldurando-os.
Ouviria Lennon, junto a outros adeptos
e sorriria, cheia de esperança
em dias amenos...
Se o tempo não fosse esse senhor implacável
eu ainda teria tantos sorrisos, afagos...
O que me aniquila é não aceitar
o tempo tal como ele é.


14

não foi com ele ao baile: além da falta
da química, a alma toda lhe fazia mal.

soube que ele se olhava no espelho,
narciso, e admirava a contradança
de seu corpo e alma que, no fundo
guardava um grito

de veludo.


15

No fundo da minha alma
Mora um sujeito contente
Que levanta e bate palmas
quando dou passos à frente

Mas no fundo da minh'alma
Também mora alguém silente
– Bem lá no fundo da alma! –
Que ama me ver doente...


16

Serão os dedos profundos
Que afagam o cerne da alma
Sejam eles veludo ou língua
De sopro inventado no grito
Calam bem fundo germinando
a palavra

Será de sonho vestido a penas
do toque
[acorde de alvoradas]
Suave de pele intocável
Pressentido sem escama

no escárnio dos dias
algo nasce e túmido inflama




Índice de autores:

01 – Bernardete Costa
02 – Manuel Xarepe
03 – Dalva Agne Lynch
04 – Carlos Luanda
05 – Francisco Coimbra
06 – Sónia Regina
07 – Rogério Santos
08 – Luís Monteiro da Cunha
09 – Teresa Gonçalves
10 – gdec
11 – Ana Maria Costa
12 – Cármen Neves
13 – Belvedere Bruno
14 – Sónia Regina
15 – Denilson Neves
16 – Luís Monteiro da Cunha



Comentário do Moderador:

Amigos, por fim, constato com enorme agrado a existência, díspar, de conceitos, palavras e imagens sobre o mesmo tema, demonstrando que cada um leu o tema, analisou e pensou apenas por si.
O resultado é este belo e quase esclarecido poema que brotou do veludo das almas.
Agora vou tratar de partir para férias. Gozar o merecido descanso do guerreiro.
Abraço Luís.

2 comentários:

Unknown disse...

Filipa tenho-te dado os parabéns e vou continuar a dar-tos pelo excelente trabalho não só na manutenção do blog mas também na publicação de imagens translúcidas,para decorar os poemas, que mais parecem palavras saídas do poema directamente para as cores.

Obrigada

Francisco Coimbra disse...

Tal como a Ana, não é para nenhum comentário literário: Boas férias para o Luís, Parabéns pelo trabalho que vem fazendo; subscrevo o que a Ana já deixou + Parabéns!