de Alberto Caeiro, in "Poesia", edição Fernando Cabral Martins e Richard Zenith
01
Havia um quê
na história
que nunca consegui
decifrar.
Um tanto de lenda,
um tanto de mito,
aquela mania
de misturar
o real e o imaginário....
No final
consegui apenas
salvar as borboletas,
que levemente
voavam sobre
minha cabeça...
Não me peçam
coerência
nessas questões.
Sou poeta!
02
Não importa
onde pouse o olhar
não importa
a identidade
nem o coração partido
Não importa
a desventura
nem as portas fechadas.
A alvorada traz a denúncia,
Incitando à liberdade.
03
quando olho pra cima em dia nublado,
sei do azul por trás das nuvens
mas pouco me importa o que sei
e não saber pouco me importa
04
se para a janela me conduzo
sem me impressionar com o vidro sujo
sem lamentar o pesar dos passos
sem resistir ao apelo do sol
ao teu encontro
se pela porta saio
depois do escuro chegar
se no dia em que pelas escadas rolar
a minha consciência
a minha força
o meu talento de te fazer rir
desaparecer
pouco me importa
pouco me importa o porquê…
05
... não sei, pouco importa
que águas turvas inundem, destruam,
que subam, que subam,
que animais se extingam, se maltratem, se abatam,
que ares se tornem irrespiráveis, casa de todos,
sejamos poucos,
que roubem o alheio, com fúrias pelo meio,
que sejam selvagens,
não tenho receio,
que corra para cima, que venha para baixo,
calcando quem vem, não olhando a quem,
que um nado-morto, venha já morto,
não sei, não me importo.
que se acabe com tudo, ventos frios do norte,
suão que indispõe,
sequia que murcha, que suja, enegrece,
avilta, envilece,
que manche a verdura, que cerre esta porta,
já nada me importa,
bem sei
que o Mundo está louco,
me envergonho, escondo meu rosto,
enrubesço quando me indigno,
já não enfureço por isto, por aquilo,
admito bárbaros costumes,
usanças que avançam,
hábitos que instalam,
corações empedernidos, olhares que afastam,
pouco me importam,
o quê???...
indiferenças e medos, tudo suportam,
germinar da desgraça,
triste trapaça,
ilusão permanente no vale, no monte,
sol que se põe, noite que desponta,
estrelas que não brilham, Lua que afronta,
tétrica até,
pouco importa,
não sei,
sem crença, sem fé,
de rojo me ponho,
não dou
porque já dei,
quase me descomponho,
me nego, me escondo,
altero quem sou,
o quê???...
não sei, pouco importa,
aceito o avarento, o hipócrita de medo,
o cínico interesseiro, a vaidade, o espavento,
a mentira soez, o segredo,
avulto o dinheiro, ignoro quem chora,
quem sofre, vai embora,
morto esquecido, esfomeado que resiste,
fera que insiste,
guerra como solução,
abate de gente, morte na multidão,
crime, perversão,
ódio que agita, dores que cumulam,
doenças que dizimam,
perco a razão,
quem muito sofreu,
quem tudo suporta,
já deu,
ensandeceu,
cerra vontade, alia a maldade,
amoleceu,
ignora a verdade,
aplaude a vil pujança,
corrupio, desvario,
insensatez que prevalece,
imola, esquece
inerte temperança,
oca esperança de quem mata, acomete,
tudo promete,
o quê???...
não sei, pouco me importa,
medo, indiferença,
quanta descrença
que tudo suporta!!!...
06
Eu sei
Eu e só eu
apenas eu
sei
como é difícil amar
e parecer
ao mesmo tempo,
não se importar.
Como é difícil viver
esperando o teu olhar
e parecer
não se importar.
Como é difícil viver
com toda a alma de bruços
a chorar
e parecer
não se importar
Como é difícil viver
fingindo representar
um amor que se tem
e que nos faz doer
mas que não se quer mostrar
e parecer
não se importar.
Como é difícil viver
a falar, falar, falar
sem nada ter que dizer
aos outros, que não a ti,
e parecer
não se importar.
Como é difícil viver
a escrever, ler
e pensar
mas ter a mente vazia,
dos outros, que não de ti,
e parecer
não se importar.
Como é difícil viver
Com o mundo à nossa volta
a passar
e nunca te ver a ti
-nunca te ver nos teus olhos -
e parecer
não se importar.
Como é difícil viver
como quem vive a sonhar
mas tem a alma desperta
para poder adivinhar,
a ti, no modo de andar
e parecer
não se importar.
Como é difícil viver
sentindo o sangue a pulsar
como se fosse morrer
de tanto ser e amar,
e parecer
não se importar.
Como é difícil viver
e parecer
não se importar.
07
pouco me importa
tudo mesmo
escrito
se o que sinto
nem lendo
em mim ressuscito
08
A dor, a taramela da alma
a repetição da carne
o acasalamento do sangue
com o coração.
Pouco me importa o grito
o coração a alma eu ressuscito
a dor… não sei!
09
Pouco me importa
o pouco me deixa louca
e nem com pouco sou capaz
louca e rouca
pouco me importa
se o quê é tudo
e o tudo não me satisfaz.
10
As rosas desprendem-se do galho espinhoso
Os miosótis têm esmaecidas suas pétalas
Os girassóis pendem amortecidos
O jardim inexiste ao redor da casa
Pouco me importa. Os vasos eram de vidro
E quebraram-se.
11
o elevador
que leva
à todos
passou
por aqui
e estava
lotado
subindo
pelo sim
pelo não
vou descendo
bem devagar
mas pela escada
12
Pouco me importa
Saber se o sol brilha.
O que me importa
É tê-lo nos meus dias!
13
O que importa
Se a iniquidade impera
e não somos todos iguais.
Há mais cores no arco-íris
do que os olhos enxergam...
Mas quem se importa?
14
pouco importa
o hábito que vestimos
se não forem
determinados pelo coração
e não importa
o que os outros pensam
que sentimos
no cantar do vento
mordendo as nossas bocas.
importa saber
sermos sol sal ou mar
céu estrela ou luar?
se no movimento do vento
foge o ás de copas
e ficamos sem voz,
com o ás de espadas.!.
15
Levanta-se a poeira aos passos do homem
que, apesar de tudo
não aprendeu a caminhar.
Arrasta-se
carregando aos ombros o jugo
de sua própria intransigência.
Mas não importa.
Ou ele aprende
ou se consumirá.
No mundo que foi seu
ficarão as moscas.
E as baratas.
16
Pouco me importa o porquê…
17
Queria saber duma só palavra.
Que fosse eterna e emergente
A Nascente nos Tempos perdida
Dos sons em névoa que usamos na foz.
Que não se esgotasse nos ecos bastardos
Nem morresse nos braços do nada
Que uma vez pronunciada
Fosse Mãe e Terra e som
E sem mais dizer-se nada
Ser o silêncio a alvorada
Da importância de estar calado,
O que julga ser som importante.
Jamais haveria de então em diante
Trocadilhos, eufemismos...
Frases feitas de outros sentires
De mentiras e importâncias.
Mas assim que coisa eu digo?
E se digo o que importa?
Só estes sons que o tempo corrói.
Que longe de serem importantes
São a mágoa que me dói.
De não importar que morram em nós...
18
pouco vale (o) espanto
se não espanta
quem vê
como outro
viu (o)
espectáculo dum verso!
19
pouco importa se calças de cinco anos atrás se arrastam
desfilando desfiadas nas calçadas onde cobertor é colchão
pouco importa a falta de café aquecido e de um pão endurecido
pouco importa se a garoa ou a chuva vararem madrugadas
pouco importam as grades a inanição a fome e os abusos...
pouco importam os discursos nos púlpitos e nos falsos tronos
mendigos admiram a lua? letras & estrelas enchem barrigas vazias?
no antagônico onde vivem as almas dos humildes "vagabundos"?
o que vaga ao pisar na lama? ao prov(oc)ar o sabor do egoísmo
...ah divinas fontes! ah! sal do mar... doces rios lavam todos os corpos?
20
pouco me importa
tudo mesmo
escrito
*Índice de autores:*
01 – Belvedere
02 - Andréa Motta
03 - Sónia regina
04 – Filipa Rodrigues
05 – Manuel Xarepe
06 – Geraldes de Carvalho
07 – Francisco Coimbra (FC)
08 – Ana Mª Costa
09 – Bernardete Costa
10 – Linda Maria
11 – Rogério Santos
12 – Cármen Neves
13 – Denilson Neves
14 – Ísis
15 – Dalva Agne Lynch
16 – Filipa Rodrigues
17 – Carlos Luanda
18 - Assim
19 – *Rosangela Aliberti
20 - Francisco Coimbra
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