Lançamento da Antologia Poética "Amante das Leituras"

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terça-feira, 3 de julho de 2007

Entrevista a Carlos Alberto Roldán***

Tradução: Carlos Luanda

1. Carlos, a lista "Utopoesia" tão semelhante à nossa "Amantedasleituras" conta com a participação de poetas latino-americanos mas também portugueses, não é verdade? Achas que as listas de criação literária são uma ponte dialéctica e cultural que permite um intercâmbio de experiências humanas entre os povos?


Carlos Roldán - Não somente é verdade como também sou gestor de todo um movimento que busca o entrosamento dos escritores desta parte do Continente. E se não insisto a alargar a outros países é porque este intento me exige muito tempo e esforço, coisa que eu não disponho em demasia. Isto também limita seriamente a minha participação em listas como o "Amantesdasleituras"; a muitos dos membros os incomoda, e com razão, o facto de não me entregar um todo a um projecto e de lhe dedicar mais tempo e com outra profundidade. Sinto o mesmo quando na lista "Utopoesia" alguém se limita a enviar réplicas de poemas; dói-me.
Mas estou empenhado num primeiro gesto a algo de novo. Trato de aprender com as nossas diferenças e não me entusiasmar em demasia com o que temos em comum. Quero poder oferecer a todo o Brasileiro, Português ou a todo o Latino-americano em geral um microfone num ponto (ou mais) de leituras na
Argentina. Um lugar diante de jornalistas, uma tribuna num lugar Académico onde apresente a sua obra. E tacitamente peço o desenvolvimento de outras organizações equivalentes do lado de lá, seja em que país for. Para criar para a América Latina a grande Pátria que nos espera.
Se nos limitamos a conceber as listas de correio como um lugar onde mostramos os umbigos, de pavoneio narcisista, estamos perdidos. A literatura é um empreendimento a desenvolver em grande, muito para além do próprio livrito.

2.Diz-se que a literatura argentina passeia pela rua, que todo o quotidiano é convertido em poesia, que existe uma cultura produzida para sustentar, manter e fortalecer a poesia.
Concordas com esta afirmação? Achas que existe divulgação, o interesse merecido pelo vosso povo e além-fronteiras?


Carlos Roldán - Não exageremos, pois não sei se essa afirmação estará correcta. Existe de facto uma muito boa qualidade estética e um conhecimento pleno dos que são, de facto, criadores. Quem aprende sabe que se não se amplia em leituras e incorpora, nunca terá a sua literatura aceite. Quando um escritor diz que escreve assim porque lhe "sai assim" defendendo uma suposta sabedoria espontânea, estamos fritos também. O poeta faz-se trabalhando, borrando recomeçando de cada vez.
Todo aquele que pensa saber tudo, e se fecha à leitura e à crítica dos seus pares, perde o grandioso que pode ganhar com isso.
Há uns anos tornei-me o Ogro dos criadores das listas de correio quando quis impedir o elogio fácil do tipo " que lindo" e do " gosto muito" e disse-lhes que enviassem esses comentários uns aos outros fora das listas e que se dissesse antes, sempre que houvesse lugar a elogios, o porquê, que razões haveria para esse elogios, em que se fundava e o que viam de bom na prática poética exposta. Que se passasse do elogio vazio ao trabalho crítico. Houve protestos mas começaram a fazê-lo. Hoje são outras as pessoas, outros os tempos e muitas coisas se esqueceram. (as listas mudam muitíssimo de mês a mês). Eu estou mais brando. Mas aquilo serviu então.
Buenos Aires que não é o espelho de toda a Argentina tem uma quantidade de teatros e de actores por habitante que supera talvez qualquer outra cidade do mundo, tal com o a sua actividade literária e psicanalítica, e nisso apresenta ser um País que não parece dar-se conta dos problemas económicos dos seus habitantes. A crise fez-nos a todos mais pobres. E os que escrevem são ou actores ou psicanalistas e fazem-no à beira da indigência. Somos incrivelmente persistentes, obstinados. E o efeito é positivo. Por vezes vejo pessoas muito humildes nos eventos o que me lisonjeia. E oiço as críticas duma profundidade que não esperava do público em geral, e isso é muito bom; OBRIGA!
Quanto à divulgação; há tanta gente nova e nem chegamos a conhecer os nomes que deveríamos saber. E para com os autores Brasileiros, Portugueses, Uruguaios, Paraguaios, Colombianos etc., a dívida é quase impossível de saldar. E isto por duas razões. O descuido deles em relação à divulgação noutros países, e um certo nacionalismo pacato que consiste em não ver o que de grandioso ocorre para lá das nossas fronteiras. Desconhecer o que se passa em matéria cultural num país vizinho, é imperdoável. Sei muito pouco da actividade literária dos Brasileiros mais conhecidos, dos Bolivianos, dos Chilenos, dos Uruguaios e dos Paraguaios mais conhecidos. Obviamente que a distância pode ser um factor que leve ao desconhecimento. Curiosamente porém devo dizer que conheço mais dos escritores Portugueses que dos latino-americanos. Será que se preocupam em difundir-se?


3. Suponho que exista uma diferença entre a poesia que começou a ser escrita na Argentina, desde os anos 80 e a poesia que nasceu em plena ditadura. Que distinções fazes?

Carlos Roldán - Irrompem novas gerações, por vezes com maior liberdade que a nossa presa aos medos conservadoramente adquiridos. Às vezes é terrível a ignorância quanto ao que se passou, do genocídio à diáspora. Nós, os Argentinos não falamos nunca de nenhumas das diásporas. A do processo e a de há alguns anos, quando enormes multidões saíam do país. Jovens na sua grande maioria, filhos de outrora imigrantes agora em êxodo para sempre da Argentina.


4. Carlos o que te enamora na poesia portuguesa?


Carlos Roldán
- A absoluta musicalidade. A língua Portuguesa parece-me ser duma sensualidade espectacular. Nós somos de outra dureza. Em parte é certo e justificado.
Estamos rodeados de mortos. Em circunstâncias atrozes e não somos ingénuos nem crédulos...


5. Carlos Roldán. Diz-nos de que forma as listas têm ajudado a dar a entender ao mundo que a Argentina é muito mais que o estereótipo do Tango e Buenos Aires e que existem muitas mais Argentinas dentro da Argentina?

Carlos Roldán - Na Argentina o tango é como um traje velho, cheio de recordações que ás vezes vestimos. Somente ás vezes. Há ressonâncias de algumas coisas do tango em nós, mas creio que é mais uma linguagem que uma música. Falamos com um jargão que nos projecta ao infinito, que não é necessária mas que nos
identifica. É uma plataforma da nossa identidade. Sim. Um tango quando estamos longe, faz-nos chorar como tontos.
O tema várias Argentinas é muito importante. Em Buenos Aires estamos mais próximos do mundo do que das nossas províncias. Na "Utopoesia", por exemplo não há quase provincianos. E as listas que congregam provincianos não toleram muito bem os portenhos* . Bem, aos portenhos ninguém os tolera até que se os conheça a sério. A caricatura do super ego que lhes é atribuída cai quando se vive aqui. Ninguém diz pior do seu país do que um Argentino dum portenho. As pessoas de fora do país confundem aos burgueses de má vida que se dedicam ao turismo, com o habitante médio de Buenos Aires. Mas esses arribadores não são bem-vindos aqui.

*Nota do tradutor: Portenho: Habitante de Buenos Aires.

6. Tu que foste uma voz que gritou contra no tempo da escuridão e da mordaça, diz-me se achas que há hoje mundo que chegue para sentir o que tens para dizer?

Carlos Roldán
- Se não há mundo para ouvir quem fala da escuridão e da mordaça estamos mal.
Todos devem escutar o que se sente quando as ameaças duram as vinte e quatro horas do dia. Quando se sai de casa sem saber se sim ou não vai regressar.
Quando as forças armadas enchem as ruas de camiões carregados de obreiros muitos dos quais jamais irão regressar às suas casas. Tem que existir um mundo que oiça isto.
Ah Carlos: não sei serei alguém tão importante. Há gente que de facto o é.
Eu sou quase, apenas, um amanuense das minhas pertenças cuja única virtude é a firmeza da sua ideologia.


7. Que poder tem as palavras neste mundo feito da frieza de números? Que força pode ter o poema?

Carlos Roldán
- A da invenção de janelas onde elas não existem. A proposta dum sorriso quando tudo nos quer nivelar e isolar. A palavra é a nossa fibra da luz e a forma de arribar ao continente cálido do outro.

8. O poeta está sempre para além do horizonte. Inconformado, o seu reino tem a capital na Utopia. Fala-nos brevemente do teu ideal...

Carlos Roldán
- Se a poesia não serve para mostrar uma vida melhor, para instalar o desejo, não sei para que sirva nada na vida.


9. Lembras-te do teu encontro com o teu primeiro poema? Como vêem os teus olhos de poeta o Futuro?

Carlos Roldán - Fiquei surpreendido como um rapazito que descobre algo deslumbrante que não sabia existir. Tal como quem vive uma primeira noite inesquecível de amor.

10. Senhor Roldán. Muito obrigado pelas suas palavras e pelo seu tempo que é sem dúvida precioso. Quer deixar alguma mensagem a todos os companheiros que incorporam esta lista?

Carlos Roldán - A poesia é um jogo libertário, erótico e selvagem, gargalhada, piada (trocadilho)*, felicidade.
Viva-se, que como dizem os jovens de Buenos Aires, numa destas noites chocam os planetas. Viva-se então em pleno. (carpe diem)
Um abraço gigantesco e espero que abramos de par em par as portas do céu para que possam entrar todos.
Por favor, quero ter contacto com tudo o que vós façais e que me envolvam
nisso.


* *Nota do tradutor, no original: Joda, traduzido para piada. Tem diversos sentidos consoante os países de língua espanhola. Na Argentina é piada no sentido inteligente e trocadilho, no México significa contrariedade e aborrecimento, e noutros países quer dizer preconceito.. É ainda usado na fala corrente com o sentido aproximado que lhe damos no português, e quando a conversa não nos agrada; o nosso: "vai-te lixar".


***Carlos Alberto Roldán (por vezes assina como Carlos Alberto Roldán Ledesma) nasceu a 14 de Dezembro de 1946 em Saenz Peña, província de Buenos Aires, Argentina. É Docente, Ensaísta, Poeta e Jornalista. Realizou estudos na "Carrera de Filosofia, na Universidade Nacional deBuenos Aires, e no Instituto Superior de Professorado "Joaquín Victor González", de onde ingressou como professor de Castelhano, Literatura e Latim. Exerceu em diversos estabelecimentos nacionais e provinciais, na EGB3, ESB; Polimodal e Terciária sendo catedrático num sem fim de matériasrelacionadas. Em Janeiro do Ano 2000 criou a lista "Utopoesia" uma das mais importantes de língua Castelhana e Portuguesa (http://www.groups.yahoo.com/group/utopoesia ).
Em 2003 criou os" Encontros Poéticos" aos microfones de Ventos Contrários pelos quais passaram centenas de poetas, narradores e declamadores de poesia. Sem apoio de nenhuma instituição pública ou privada, encetou a organização do seu projecto mais ambicioso: o de entrelaçar instituições literárias de todo o tipo e de diversos países para gerar neles verdadeiras "Embaixadas Literárias". Ao fim de dois anos de empreendimento alguns resultados parecem indicar os frutos dessa marcha. A promoção da literatura tanto na escrita como na leitura, ocupa nele amesma dimensão. "Quero criar alternativas à já conhecida espartilha livresca; todos os meiosinformáticos e presenciais me parecem fundamentais para quem não conseguepublicar por não possuir condições económicas." diz. Destaca além disso" por pouco que se caminhe descobre-se por demais o valor literário que nunca pode ter acesso ao "mercado" nem tampouco sequer o direito de figurar no horizonte dos escritores da sua época. E isto é algo contra o qual se tem de combater." Boa parte dos seus textos foi publicada em listas, páginas de web de amigos, weblogs e revistas literárias virtuais.
Tem dois livros publicados:1 - 55 Aniversario del Ateneo Poético (1950-2005), Ed. Creadores Argentinos,Buenos Aires, 2005.
http://www.creadoresargentinos.com2 – Poesiadas Editorial El Escriba, Buenos Aires, 2007
Tem em preparação um livro de contos que planeia publicar este ano: "Histórias del otro lado da colina".

2 comentários:

Francisco Coimbra disse...

Fiz na lista um comentário que resultou do prazer sentido e atribuído a mais esta entrevista, também aqui deixo os Parabéns ao entrevistado e aos entrevistadores.

Anônimo disse...

Foi para a Vera e para mim uma honra contar com as palavras do Carlos Roldán. Sem dúvida uma grande personalidade no mundo das letras e não só.

Carlos Luanda