Lançamento da Antologia Poética "Amante das Leituras"

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quarta-feira, 6 de junho de 2007

Ensaio sobre a ruína

(Foto: Nelson Ribeiro)


O meu caixão há-de ser uma árvore centenária de casco duro e veios secos. Os homens hão-de avançar na floresta quando a hora cercar os ramos do sono e derrubarão o tronco no solo com o suor das estrias a rebentar no cinto nas calças. Ouço o timbre metálico da serra a rasgar o corpo da árvore velha e sei que a respiração é uma casa onde o tempo não se demora a mergulhar. Vejo-lhes as mãos latejantes sobre a madeira e reconheço as cidades que atravessaram para chegar a este pântano de gritos. Todos se abeiram do meu rosto com espelhos e dedos transpirados para averiguar o momento em que devem começar a chorar. Sou então lágrimas e nada mais do que a representação do silêncio alheio.

Um dia hei-de ser uma máscara de dor na cara dos meus peixes. Eles hão-de nadar às voltas no aquário e lamber cada minuto da minha infância em que cresci. A minha filha há-de encostar as narinas às borbulhas líquidas que sobem sem parar pelo vidro acima e ler as histórias que elas escrevem sobre mim. Todos estarão demasiado ocupados com o sofrimento enquanto ela regista o adeus que pronunciarei na água. Pela boca dos meus peixes é que hei-de morrer. Os homens virão da floresta como quem traz um navio antigo que há-de navegar dentro do aquário. A minha filha há-de tocar a superfície do futuro e pentear os meus cabelos que crescem do outro lado. Serei livre nesse infinito do tacto em que ela benze todas as bocas que ali suspiram. Todos farão luto durante meses estipulados e o preto descerá sobre os seus gestos como noite diurna.

Alice Campos


Este poema da Alice Campos foi premiado no XXII Concurso Internacional de Poesia de Outono, podem ver tudo em: www.giraldo.org.
Aqui ficam os nossos Parabéns à Alice!!

6 comentários:

Unknown disse...

Parabéns Alice o texto é belíssimo e o prémio foi mais que merecido.

jinhos

Filipa Rodrigues disse...

Cara Alice,

esta foi a forma encontrada para te homenagear e dar os parabéns.

Espero que sintas o orgulho que temos em ti.

Um grande beijinho aqui da tua vizinha!!

Charlie disse...

A Morte!
Verdadeiramente a nossa última fronteira. O passo temido para a Eternidade.
Um texto magnifico, merecidamente destacado e premiado.

Carlos Luanda

Anônimo disse...

agradeço a publicação. filipa, não esquecerei este gesto. obrigada também pelos outros comentários. um grande beijinho.

Filipa Rodrigues disse...

Alice,

os teus agradecimentos devem ir para a Ana, a ideia da publicação foi dela... eu só concordei e coloquei da forma mais bonita que encontrei.

Beijinhos

Unknown disse...

Filipa e colocaste muito bem e os parabéns são para nós, todos!