01
Louco é aquele pensamento
Que se satisfaz na chama
Da luz que o procria
Não procura a lucidez
Dos pólos das avenidas.
Essa imensidão reflexiva:
Análoga a uma mente fria
Equivalente à profundidade
Deste silêncio gerador de manhãs
Uma só vontade prevalece: seguir
a cauda de todos os cometas.
Que louca é essa poesia.
Despe-se para os garimpeiros
Na lucidez do amanhecer estrangeiro
E veste-se do matiz alheio
Como se a lucidez de cada um
Nada nela descubra, senão o devaneio
De um seio, no corpo que louco
Facilmente se transmuda
02
o que desafio por vezes
ente o sopro e a sua sombra
junto ao martelo do ouvido
é como por vezes se o corpo
se abre e o poema nasce
louco e poiso o espaço
de um silêncio rouco
este desafio por vezes é um
arco em eco , tão próximo
da lucidez
um pouco para lá do que
os lábios seguram
03
… louco,
arrebato meio Mundo
com ele me confundo,
disfarço a madrugada,
relego o passado, antevejo o futuro,
alcanço o sublime, massacro oceanos
invoco Neptuno,
solitário, entristecido, soturno
recalco amarguras,
ventanias do desassossego
nas noites de pesadelo,
cerradas… escuras,
estrelas no infinito,
desvairado,
perdido,
lúcido, interrogo o ignoto por questões de pavor,
abafo sentidos,
guardo rancor,
afago quem passa,
esqueço a desgraça,
arranco gemidos, dores, medos,
guardo segredos,
enganador me contradigo,
falo comigo,
emendo,
reduzo,
elevo meu ser,
louco varrido,
razão na lucidez que perverte,
ludibria,
converte,
loucura que busco,
verdade que ofusco!!!...
04
Portas abertas...
A bem da verdade,
nunca uso trancas.
Quantas vezes
me abaixo, catando
mil e tantos cacos.
Não me despedaço!
Apenas proíbo
que tons ocres
decorem meus dias.
05
Um guru em padmasana
Meditou em frente ao mar
Por horas horas e horas
Ficou tão lúcido tão lúcido
Que revelou ao discípulo:
aquele mar mais não era...
Que um monte de agá-dois-ó.
06
coisa pouca a lucidez
fecha os olhos
e sonha
como energia
solta
sonhos em devaneios!
07
Chama-me louca
de amor visto o corpo de flores
e respiro odores do teu pólen
Louca na lucidez de te amar
ainda que seiva de outras colinas
chama-me louca
de amor tomo a seda de tuas crinas
e beijo a meda do teu vício
louca na lucidez de te amar
ainda que laguna de outras águas
chama-me louca
perdida em redor de tuas ilhas
08
louco coração
surdo à lucidez cega.
só ouves
o amanhecer da dor
onde paira o silêncio.
09
Lúcida dou ao fogo as duas mãos.
Já não preciso delas e não há meia-lua,
meia-palavra ou coisa que o valha
que me faça recuar ou correr. Por que
temer as salamandras, se ao redor do fogo
celebram a aurora, ao anoitecer?
Louca, tenho no cristal vermelho
dos meus óculos novos o poema de quintal,
que sangra o prumo caseiro, a caligrafia rota.
10
Lúcida?
Perdida – achada pela razão
que bebe e gorgoleja
os deleites do coração
e o condena ao fogo.
Morro assim quando a lucidez é louca!
Tomara que fosse pouca…
11
sozinha, não solitária,
digo ao sol que não pára.
reclamo ao universo
da escuridão, do vazio
de flores, afetos, sentidos
ou qualquer atração
enganadora, esqueço.
sinto sabor no insípido
cometo poemas, grito
se encontro o caminho
do meio, não faço trovas:
proseio.
12
Não lavava as mãos, nem penteava os loiros cabelos
Cantarolava por horas, voz rouca, desconexa canção
Perdia a noção do tempo
e sequer a pressentia no espaço
– Louca! – clamavam dela na praça
Tolos! Todos! Era a absoluta lucidez
de toda sua pequenez que a embalava
enquanto bailava – bela e nua – no
seu perceptível nada.
Índice de autores:
01 – Luís Monteiro da Cunha
02 – José Gil
03 – Manuel Xarepe
04 – Belvedere Bruno
05 – Denilson Neves
06 – Assim (F. C.)
07 – Bernardete Costa
08 – Teresa Gonçalves
09 – Sónia Regina
10 – Vera Carvalho
11 – Sónia Regina
12 – Linda Maria
Comentário do Moderador:Caros amigos,
o meu objectivo inicial quase foi conseguido com este mote.
Forçar-vos a escrever sobre loucura e lucidez, tentando que se esquecessem das palavras usuais conotadas única e exclusivamente com a beleza.
Era tempo, na minha óptica, de deixarmos de exultar as mesmas imagens e simbologias inerentes a todos os poetas, tentarmos pessoalmente, enveredar por outras imagéticas ou caminhos, como queiram apelidar.
Fico agradado com os trabalhos de todos, apesar de sentir (e saber intimamente) o quão difícil é d_escrever a realidade que se nos oferece quando confrontados com um tema menos usual e que num primeiro instinto nos obrigamos a pintar com flores e nuvens. É tempo de nos esquecermos momentaneamente de quem nos lê. Escrevamos o que nos assombra, aquilo que quer jorrar do nosso peito a toda a hora e que covardemente refreamos, porque achamos não ser irmanado do belo. Quem poderá, com propriedade, afirmar qual o conceito puro da beleza, se Platão, Aristóteles, Kant, e outros, não o conseguiram completamente?
De notar, a subtileza de alguns, que escreveram sem a frágil tentativa de embelezar apenas, os poemas, o que é para mim motivo de enorme regozijo.
Creio que começam (aos poucos) a perceber o motivo destes desafios e a disparidade dos temas que sub-repticiamente, vou propondo: aprender; experimentar novos caminhos, novas vertentes; para que cada amanhecer tenha a matiz diferente da anterior, dado que, apenas experimentando cada passo, se consegue chegar a bom porto.
Parabéns a todos e obrigado
Luís Monteiro da Cunha